João Saldanha uma Vida em Jogo

Quando o futebol é pautado pela sociedade, como em época de Copa do Mundo, invariavelmente memórias de futebolistas são resgatadas. A memória de João Alves Jobin Saldanha, jornalista, comunista, escritor e ex-treinador da seleção brasileira, velho conhecido dos amantes da arte, entretanto, vale para além do contexto futebolístico.

Por Carolina Maria Ruy
 

joão saldanha
Das disputas entre maragatos e chimangos no Rio Grande do Sul pré-Vargas, ao frenesi das areias cariocas, João Saldanha era profundo conhecedor da alma de seu país.
Foi militante e dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCB) nas décadas de 1940 e 1950, tendo participado ativamente da “Greve dos Trezentos Mil” em São Paulo, em 1953.
Apaixonado por futebol, foi treinador do Botafogo contando com jogadores do porte de Garrincha, Didi e Nilton Santos. Chegou ao posto de técnico da seleção brasileira, em 1969, cargo que exerceu com louvor.
A seleção de Saldanha, com Tostão e Pelé, deu show mesclando jogadores dos times: Santos, Botafogo e Cruzeiro.
Mas, como ele era exatamente da forma como descrevera o amigo Nelson Rodrigues, “João Sem Medo”, e, como futebol em época de Copa se torna assunto de interesse oficial, no primeiro entrave com o presidente Garrastazu Médici, recebeu cartão vermelho da CBF, trocando compulsoriamente os gramados pela cabine de comentarista.
O episódio em questão ilustra a personalidade irreverente, despojada e, ao mesmo, tempo incorruptível, do jornalista:
A crise começou com o boato de que Médici queria a convocação de Dario José dos Santos, o Dadá Maravilha. Mas o jogador, destituído do perfil das “feras do Saldanha”, não estava cotado. Sem meias palavras o técnico respondeu ao presidente: 

“O senhor organiza o seu ministério, e eu organizo o meu time”.

Dias antes, em sua passagem pelo México para acompanhar o sorteio das chaves, ele já havia dito à imprensa internacional que havia terríveis torturas no Brasil. Como não era fácil descartar um técnico querido e competente como aquele, a equipe do presidente ainda tentou organizar um jantar com Médici para amenizar o clima. Ao que Saldanha respondeu:
 
“Não vou. O cara matou amigos meus. Tenho um nome a zelar.”
Treze meses depois, em 17 de março de 1970, Saldanha foi demitido e voltou à sua função de comentarista. O time bem montado foi entregue aos cuidados do treinador Mario Zagallo, que faturou o tricampeonato mundial.
 
De volta ao jornalismo, Saldanha brilhou com seu estilo coloquial e irônico. A partir de meados da década de 1980 foi um dos maiores críticos da europeização e mercantilização do futebol. Nunca abandonou a política, sendo um vibrante defensor da redemocratização brasileira. Morreu na Itália, participando da cobertura da Copa de 1990 pela TV Manchete.
Sua vida é contada no filme João Saldanha uma Vida em Jogo, de André Iki Siqueira e Beto Macedo. Vale ressaltar o depoimento da dirigente sindical Maria Sallas Dib no filme, bem como as passagens pelo Sindicato dos Têxteis de São Paulo.
 
(*) Carolina Maria Ruy é jornalista, coordenadora de projetos do Centro de Memória Sindical
Fonte: site da Força Sindical – http://www.fsindical.org.br