Sanções contra a Rússia são "gol contra" da União Europeia

Os Estados Unidos decidiram, a União Europeia obedeceu e agora de um lado e de outro do Atlântico prestam-se contas às possíveis reações que estão na mão do presidente russo, demonstrando-se assim que os cálculos anunciados à opinião pública sobre as sanções contra Moscou “são números sem pés nem cabeça, sofrem de variáveis impossíveis de calcular”, segundo economistas das instituições europeias.

Por Pilar Camacho, de Bruxelas, e Norman Wycomb, de Londres para Jornalistas sem Fronteiras

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“Estes políticos europeus que se consideram expoentes da tecnocracia nem ao menos sabem tirar proveito daquilo que são normas básicas tecnocráticas, ou seja, um balanço objetivo da realidade sem ceder ao que parecem ser conveniências políticas”, acusa um quadro da Comissão Europeia “alarmado” – foi o estado de espírito que escolheu – perante o pacote de anunciadas sanções contra a Rússia.

Também nas empresas onde pontificam os chamados “analistas de mercados” são muitas as vozes que, por exemplo numa alusão a declarações do ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, dizem que “para fazer omeletes destas com estes ovos mais valia guardar jejum”.

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São muitas as dúvidas, tal como as variáveis impossíveis de precisar, sobre o alcance das sanções que, depois de uma pressão interminável de Obama, a União Europeia acabou por impor à Rússia.

“As sanções partem de um pressuposto por comprovar e que tem contra ele versões muito mais plausíveis, que existem apesar de a comunicação social e os dirigentes tentarem escondê-las”, diz o quadro da Comissão Europeia. “Foram decididas para castigar a Rússia por ter derrubado o avião da Malaysian Airlines, uma certeza que nada tem de certa, está por provar, é posta em causa por informações elementares e choca até com o simples fato de o governo ucraniano ter se demitido, o que, por muito que se disfarce, traz água no bico”, acrescentou.

Salomon Vince, analista belga de direito internacional, declarou a sua “surpresa por tanta irresponsabilidade demonstrada pelos dirigentes europeus”. Diz que “já existem elementos suficientes para concluir que a gestão dos assuntos internacionais com base em mentiras, guerra e sanções arbitrárias pode conduzir-nos a um conflito de proporções e consequências incalculáveis”.

“Mentiu-se no Iraque, na Líbia, na Síria, mente-se por causa de Gaza e agora tomam-se decisões sobre a tragédia na Ucrânia com base em supostas certezas, enquanto se pede um inquérito internacional”, diz Vince. “Inquérito para quê, se já sabem o que se passou? Ou então, porquê as sanções quando os resultados de um inquérito podem forçá-los a dar o dito por não dito”; argumenta o jurista.

Lawrence Samuels, economista londrino, explica que os números apresentados por Bruxelas sobre os custos das sanções “não têm qualquer base técnica, são previsões marteladas para dizer que as medidas até favorecem a economia europeia quando a verdade é que se Putin quiser responder à letra vamos ter muitos europeus a tilitar no próximo Inverno. Misturam-se desejos com realidades, lançam-se números ao ar para entreter a opinião pública, mas a verdade é que ninguém pode garantir seriamente que as sanções provocam 10 bilhões de danos à Rússia e apenas cinco bilhões à União Europeia como foi anunciado”, diz Lawrence Samuels. “Em linguagem futebolística”, conclui o economista, “estas sanções podem muito bem ser um gol da União Europeia na própria baliza.”

“Nesta matéria é um erro crasso obedecer aos Estados Unidos”, afirmam técnicos do Conselho Europeu. “A economia norte-americana não está exposta à economia russa, enquanto a da União Europeia está exposta e até contaminada em setores como mercados financeiros e a energia. Os europeus vão pagar uma fatura destas medidas cuja amplitude está dependente das opções de Putin, o que deveria ser uma situação a evitar de acordo com o senso mais comum”, sublinha um economista do Conselho.

“Não foi levado em conta”, acrescenta, “que a Rússia tem diversificado a sua economia, que as apostas na China e outras regiões da Ásia, incluindo a Península da Coreia, têm sido bem sucedidas, pelo que se quiser dar uma lição à Europa durante algum tempo será capaz de o fazer. Com a agravante”, acrescenta o economista, “de essa reação reforçar a vaga nacionalista interna, elevando ainda mais o peso de Putin”.

Fonte: Jornalistas sem Fronteiras