Jacques Sapir: Dólar ou a nossa resposta aos EUA

Jacques Sapir, conhecido economista francês, fez, numa entrevista à emissora de rádio Voz da Rússia, o seu prognóstico sobre o futuro das moedas mundiais. Sapir considera que as moedas dos países em desenvolvimento acabarão por tirar terreno ao dólar.

Dolár e Estátueta da Liberdade

Leia a seguir a entrevista:

Hoje, fala-se cada vez mais da falta de garantia do dólar com ouro. Está de acordo com essa hipótese?
Tudo isso não tem grande sentido. O fato é que desde 1973 o dólar deixou de ter qualquer ligação com o ouro. É precisamente o ouro que tem preço, que se manifesta em dólares, euros, rublos, yuans, tal como qualquer outra matéria-prima.

Tem grande interesse a seguinte questão: torna-se o dólar mais fraco ou mais forte em relação a outras moedas? Isso reflete a força ou a fraqueza da economia americana, bem como a situação geopolítica. O fato é que parte da força do dólar reside no potencial militar do estado americano.

Alguns economistas consideram ser bem provável que os EUA possam declarar bancarrota, o que seria uma coisa muito, muito séria, tendo em conta o fardo das suas obrigações financeiras. Eles podem concentrar-se na zona norte-americana de comércio livre, que englobará também o Reino Unido e criará uma nova moeda: o “amero”, o que já foi acordado com o Canadá e o México em 2007. Semelhante cenário é pura fantasia ou tem fundamentos reais?
Não diria que essa teoria nada tem a ver com a realidade. Nos EUA nota-se realmente um certo desejo de avançar nesse sentido. Não obstante, aos EUA agradaria uma situação igual há que existiu há dois anos atrás. Nessa situação, os EUA controlam o dólar que, por sua vez, é uma moeda internacional. No que diz respeito à bancarrota, os EUA não precisam disso, porque o mundo continua a precisar de dólares e eles podem imprimir quantos querem. Não obstante, há seis ou sete meses atrás, a situação começou a mudar. Por enquanto, ainda não tomamos consciência, mas aproximamo-nos de um momento fulcral, tanto na economia, como nas finanças, geopolítica e geoestratégia.

Os países em desenvolvimento tentam formar um sistema financeiro alternativo com o seu próprio banco de desenvolvimento, que é algo entre o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Ele ficará em Xangai, mas não será um banco chinês. Será o banco dos BRICS, um banco comum para uma série de países. Se esses países conseguirem criar uma moeda alternativa ao dólar, então a correlação realmente começará a mudar. Neste caso, uma das hipóteses poderá ser o autoisolamento dos EUA, a formação de estruturas comuns com o Canadá e o México. Hoje, semelhante hipótese não me parece muito provável, porque os EUA sentiram o domínio mundial, isso tornou-se para eles numa verdadeira droga. Parece que os EUA “estão dependentes” do domínio mundial.

Significa isso que o mundo, no período após a crise, poderá separar-se em várias regiões, em “mega-regiões” do tipo da UE. Isto é, teremos regiões com diferentes moedas, os próprios institutos, leis e regras de relações entre Estados. Parece-lhe que se avança precisamente para um mundo semelhante?
Penso que vocês têm toda a razão. Hoje observamos uma nova fragmentação do mundo. Em geral, considero que a própria ideia do mundo global, mundo sem arestas, foi, na realidade, apenas uma ilusão. A atual fragmentação do mundo é o resultado das ações dos países em desenvolvimento, bem como da consequência imprevisível da política americana. Hoje, é complicado dizer se esses blocos mundiais terão pesos semelhantes ou uns continuarão em estado de gestação, enquanto outros se irão desenvolver realmente. Mas essa é outra questão completamente diferente.

Hoje, vê-se bem que na Europa não há uma verdadeira unidade, que a União Europeia atravessa uma crise extremamente profunda.

Há três-quatro semanas atrás, começou uma nova etapa da crise financeira com a séria crise bancária em Portugal, que se refletirá obrigatoriamente na União Europeia e na zona do euro dentro de algum tempo. Vejo a força na América, vejo a força nos países em desenvolvimento.

Por isso, enquanto francês e europeu, preocupa-me a atual disfunção da União Europeia. Parece-me que para os nossos estados seria melhor a união com os países em desenvolvimento e com a Rússia, e não tentar lutar contra eles sob maus pretextos.