Ucrânia: A vida em condições de guerra

Ainda recentemente a palavra “guerra” era sobretudo associada à Segunda Guerra Mundial, ela era retratada em livros e em filmes. Ninguém esperava que a guerra se instalasse na Ucrânia. Como se modificou a vida das pessoas simples nas novas e terríveis condições “de guerra”?

Apartamento destruído por artilharia em Gorlovka - RIA Novosti/Mikhail Voskresensky

Em uma entrevista à Voz da Rússia, Svetlana Okhrimenko, chefe do serviço de imprensa da diocese de Gorlovka, relata como vivem e o que sentem os habitantes de Gorlovka.
Svetlana Okhrimenko: Está decorrendo uma guerra. A 21 de julho começaram os bombardeamentos de artilharia dos arredores da cidade. A partir de 26 de julho, os projéteis já atingem o centro da cidade. Eles acertam em casas de habitação, escolas, hospitais, lojas e paradas de transporte público. Vários obuses explodiram junto a igrejas ortodoxas, um acertou no terreno da administração diocesana de Gorlovka. Nesses locais não há, nem nunca houve, posições dos milicianos. A contagem de civis mortos e feridos atinge as dezenas. Há casas destruídas e queimadas, em três escolas centrais as crianças já não poderão estudar no próximo ano letivo.

Desde o início dos bombardeamentos as pessoas abandonam em massa a cidade, mas muitos permanecem: a população de Gorlovka conta mais de 270 mil habitantes. A cidade está paralisada, nas ruas dificilmente se vê um transeunte, ciclista ou automobilista. As pessoas saem de suas casas apenas em caso de extrema necessidade e tentam regressar o mais depressa possível.

As paredes dos edifícios de construção soviética não poderão proteger de um impacto direto de artilharia, mas a probabilidade de morrer atingido por estilhaços é mesmo assim menor que na rua. Parte dos habitantes se mudou para subsolos e abrigos. Muitas janelas estão coladas com fita em cruz – para prevenir que voem estilhaços das janelas, se os vidros quebrarem com ondas de choque. Nas ruas apareceram gatos e cachorros de raça, que os donos libertaram antes de partir. Nas árvores há papagaios sentados ao lado dos pardais.

Como está a situação relativa a alimentação, medicamentos, água e energia elétrica?
As lojas pequenas e mercados de alimentos estão encerrados, uma série de supermercados continua trabalhando. Eles têm produtos alimentares, não têm a variedade que existia antes da guerra, mas podemos comprar produtos de primeira necessidade. Surgiu o mercado negro do pão, seu preço subiu 3-4 vezes: ambas as panificadoras de Gorlovka pararam seu funcionamento, o pão vem de cidades vizinhas. Devido a isso, a fábrica de prósforas da Catedral da Epifania começou a fabricar também pão, além das prósforas, o qual é distribuído por hospitais e outras instituições sociais da cidade, assim como às pessoas que se escondem dos bombardeamentos na igreja inferior da catedral.

São poucas as farmácias em funcionamento, mas os hospitais têm medicamentos. Eu não verifiquei pessoalmente essa informação. Existem falhas no abastecimento de água e eletricidade depois dos bombardeamentos, quando os projéteis ou estilhaços danificam respetivas infraestruturas. As equipes de reparação eliminam esses problemas logo que podem.

Em alguns lugares dos arredores agora não há nem eletricidade, nem água, e isso já dura há vários dias. Nos arredores também há grandes problemas com as comunicações móveis, é praticamente impossível telefonar para as pessoas que aí vivem.

O que sentem as pessoasque ficaram na cidade? Qual é a diferença entre a vida durante a guerra e uma existência pacífica?
Uns sentem medo, outros – raiva. Há um desejo comum – que toda esta loucura termine quanto antes. Para mim a vida durante a guerra é diferente da vida em paz por ter desaparecido tudo o que era supérfluo nas relações entre as pessoas. Ficou o mais importante. Ficou claro qual é o valor de cada um, quem te ajuda e quem te atraiçoa. É um sentimento muito especial quando vives cada dia como se fosse o último.

Qual é a frequência dos bombardeamentos? Há possibilidades de uma pessoa se proteger?
Os bombardeamentos aqui não eram tão frequentes por comparação com as outras cidades da bacia do Don, onde por vezes eles duravam horas seguidas. Em Gorlovka tivemos salvas pontuais de sistemas Grad e de morteiros, até várias vezes por dia. Mas mesmo o fogo de intensidade relativamente tão baixa já provocou muitas desgraças. Dizem que à volta de Gorlovka há 40 baterias Grad do exército ucraniano. Se os militares decidirem usá-los simultaneamente, pode imaginar o resultado…

Na cidade há abrigos equipados. As pessoas que têm subsolos em suas casas escondem-se aí. Os habitantes do centro podem se esconder na igreja inferior da Catedral da Epifania – ela é subterrânea e têm uma cobertura muito sólida. A catedral tem água e pão, as pessoas trazem consigo os alimentos e cobertores.

Como pensa que se irá desenvolver a situação?
Ninguém sabe o que irá acontecer. Fazer previsões é um exercício ingrato. Os milicianos anunciaram que estavam dispostos a defender a cidade, o exército ucraniano tentou tomá-la de assalto. Até agora todas as tentativas para conquistar a cidade foram rechaçadas. Os militares chegaram a conquistar os arredores, colocavam aí bandeiras ucranianas, mas depois eles se iam embora e agora aí é terra de ninguém. Nós queremos todos que a paz venha o mais depressa possível, mas só o tempo dirá se as nossas esperanças se cumprem.

Fonte: Voz da Rússia