Ferguson: problemas da democracia em preto e branco

O ressentimento e as reclamações dos habitantes de Ferguson são compreensíveis e justificáveis, considera o presidente dos EUA, Barack Obama, que devido aos trágicos acontecimentos, se viu obrigado a suspender as férias e voltar a Washington.

Por Iliá Silietsky, na Voz da Rússia

Ferguson

As suas preocupações também são bem claras – o estado, abalado por desordens, vai se transformando impetuosamente num palco de operações militares. Foi decretada já uma zona de interdição aérea, a Guarda Nacional lança o gás lacrimogêneo contra manifestantes que lhe retaliam com coqueteis Molotov.

O promotor geral dos EUA, Erick Holder, se desloca a Ferguson na quarta-feira (20). Segundo revelou Obama, ele deverá se encontrar ali com agentes do FBI e funcionários do Ministério da Justiça que estão investigando o assassinato de Michael Brown, de 18 anos.

Além disso, Holder manterá conversações com os mais influentes representantes das comunidades locais para contar com seu apoio nas tentativas de restabelecer a ordem pública.

A cidade de Ferguson, no estado de Missouri, tem uma população predominantemente negra. Em 9 de agosto, um policial branco, matou a tiros um jovem americano de origem africana, suspeito de praticar roubo.

Todavia, os habitantes locais ficaram indignados com o assassinato de uma pessoa desarmada (o jovem foi atingido por 6 balas, duas delas na cabeça, quando já estava rendido), fato esse que teria provocado ações de protesto que redundaram em desordens em massa e assaltos aos policiais.

O governador do estado Missouri, Jay Nixon, decretou toque de recolher obrigatório. Mais tarde, na cidade entraram destacamentos da Guarda Nacional que foram recebidos com coqueteis Molotov. Os guardas reagiram com ataques de gás lacrimogêneo.

Muitos cidadãos negros dos EUA se manifestam solidários com os habitantes de Ferguson. Até no Parlamento se ouvem declarações de que as pessoas já estão fartas dos ataques da polícia agressiva, sustenta o analista político russo Vladimir Kozin:

“A deputada Patricia Bynes, de origem africana, qualificou as manifestações como “uma resposta à política de racismo e discriminação existentes nos EUA a nível estatal”. É uma acusação séria que se confirma pelo fato de as ações de protesto estarem decorrendo em quase 90 cidades norte-americanas, incluindo Washington”.

De qualquer modo, está fora de dúvida que o incidente em Ferguson não é uma mera casualidade. É um reflexo de sérios problemas que se acumularam durante décadas na sociedade norte-americana.

A tensão requer uma saída, embora a situação tenda a se agravar ainda mais, considera o diretor do Instituto de Previsões Estratégicas, Alexander Gusev: “Nos EUA, os problemas internos são tão graves que tais processos se podem alastrar por muitas outras vilas e povoações, atingindo, sobretudo, as cidades com população negra. Mesmo nos estados centrais este problema não foi definitivamente resolvido”.

É verdade que, na sociedade norte-americana, se acumularam múltiplos problemas, inclusive raciais. Segundo assinalam peritos, os negros se sentem descriminados desde os tempos de escravidão.

Os demais observadores acentuam que a população de cidades e estados inteiros se torna cada vez mais “colorida”. Desde os anos 1960, o Estado tem realizado uma política de “discriminação positiva” – o sistema de regalias sociais passou a abranger os “habitantes de cor” na área de ensino, emprego e contratação pública.

Ao mesmo tempo, aumentou o número de demandas relacionadas com a discriminação racial, apresentadas por funcionários brancos. Todavia, os jovens brancos não se tornam alvo de assassinatos brutais. Uma vez proibida a discriminação patente, nasce um fenômeno de racismo latente.

Não é primeira vez que se abre esta ferida. Um outro incidente análogo ocorreu em 1992 quando em Los Angeles cinco policiais espancaram um negro. Os distúrbios que se prolongaram por seis dias fizeram dezenas de mortos, dois mil feridos e 11 mil detenções. Em Missouri tal história pode se repetir.

Fonte: Voz da Rússia