Islamistas no Iraque são como serpente "encantada" pelos EUA

Os Estados Unidos voltaram a cometer o mesmo errro, primeiro criando e depois se aterrorizando com o monstro que, sob a marca de Estado Islâmico, está operando com sucesso no Iraque, cortando as cabeças de jornalistas ocidentais e outros “apóstatas” que se lhe deparam. Por enquanto não está claro o que se pode fazer com isso. Mas a escala da ameaça é tal que ela não pode ser abafada.

Por Serguei Duz*, na Voz da Rússia

Islamistas

Surge a impressão de que os militantes do Estado Islâmico saltaram como demônios para fora de uma toca. Mas só parece assim à primeira vista. Na verdade, eles são o fruto direto da Primavera Árabe, são seus combatentes que estão implementando de sua própria maneira (e não como o imaginavam os estrategistas de Washington) o conceito de “revoluções coloridas” no mundo islâmico.

Tendo passado pelas batalhas com o exército regular de Bashar al-Assad, eles iriam sentir, mais cedo ou mais tarde, que a Síria se está tornando apertada para eles. Suas aspirações expansionistas visam nem só a região, mas o mundo inteiro. Com a recente execução pública de um jornalista norte-americano os islamistas como que desafiaram toda a civilização ocidental. E esse desafio, quer se queira quer não, deve ter uma resposta, acredita o orientalista Leonid Vassiliev, professor da Escola Superior de Economia:

“Foi uma execução ostensiva e não apenas uma ameaça. Este é um desafio aberto e bastante bem pensado. Essencialmente, é uma declaração de guerra. Eles declararam guerra ao Ocidente. Devemos compreender isso muito bem. Várias organizações lideradas pela al-Qaida se acreditam representantes do verdadeiro Islã. Nós chamamo-los de 'islamistas' para distingui-los de muçulmanos comuns. Mas eles insistem firmemente que representam os interesses do verdadeiro Islã. E até certo ponto isso é muito perto da verdade. Porque baseando-se no Islã, promovendo os valores muçulmanos, eles os levam ao ponto do absurdo, não se referindo abertamente ao Corão”.

O truque é que a guerra pelo califado islâmico global começou já há muito tempo, inclusive na Europa. A ilustração mais marcante desta tese é o carrasco do pobre norte-americano decapitado, que, aparentemente, é originário do sul do Reino Unido. Segundo os próprios britânicos, sob a bandeira verde do Islã estão combatendo até 1,5 mil de seus compatriotas. O veneno do fundamentalismo islâmico está lenta mas seguramente envenenando o Velho Mundo. Este é o resultado paradoxal da cruzada dos Estados unidos pelo Oriente Médio e Norte da África, nota o orientalista Alexander Shumilin:

“Na Europa está operando ativamente uma rede de recrutamento subordinada principalmente à al-Qaida, mas agora, aparentemente, já também a outras organizações. Eles estão trabalhando ativamente em influenciar as convicções dos muçulmanos, tentando os contrapor ao ambiente onde vivem. Na Alemanha, na França, no Reino Unido, eles estão trabalhando bastante eficazmente. Recordemos que os 19 terroristas que sequestraram os aviões em 11 de setembro de 2001 viviam na Alemanha. As pessoas que se encontram inicialmente num ambiente cultural diferente tanto mais facilmente cedem a pressão quanto mais problemas de natureza social e econômica tiverem”.

Os militantes do Estado Islâmico são uma ameaça a longo prazo e podem empreender novas ofensivas, disse nesta quinta-feira o ministro da Defesa dos Estados Unidos, Chuck Hagel. Segundo ele, o Estado Islâmico “é mais do que apenas um grupo terrorista, ele tem uma ideologia definida, seus membros são bem treinados em termos militares, eles têm uma excelente base financeira”.

“É mais do que calculávamos”, admitiu o ministro, que, aparentemente, não tem receitas prontas para este caso.

O perito em Médio Oriente Anatoly Murid acredita:

“O Ocidente não tem nenhuns instrumentos para eliminar o Estado Islâmico. Para isso e necessário criar forças militares internacionais especiais, dividir o território do Iraque em setores, introduzir neles essas tropas. E se preparar para que tudo isso vá demorar não anos, mas décadas. A invasão norte-americana do Iraque levou à desintegração do país e a uma catástrofe. A mitigação das consequências deste desastre vai custar imenso dinheiro, tempo e esforço, inclusive ações militares. É impossível negociar seja o que for com os terroristas do Estado Islâmico por definição. Eles não entendem palavras”.

O perito do Conselho russo de Assuntos Internacionais, Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário Alexander Axenenok acredita que os militantes do Estado Islâmico conseguiram tirar proveito da situação quando a atenção da comunidade internacional estava concentrada em outras questões da política mundial:

“O Estado Islâmico surgiu em grande parte graças a que a comunidade internacional estava preocupada com outros problemas: uns queriam derrubar Bashar al-Assad, outros queriam manter no poder al-Maliki, outros queriam, na Ucrânia, enfiar uma faca nas costas da Rússia. Uma das causas da presente situação foi a falta de uma estratégia bem definida dos Estados Unidos no Oriente Médio. E ela não existe até agora. A execução do jornalista é, de certa forma, uma retribuição aos norte-americanos pelo estado atual das coisas. O fim trágico desse homem só confirma a razão daqueles sábios que não aconselhavam a aquecer uma cobra em seu peito – ela certamente vai morder seu salvador porque sua natureza não lhe permite agir de forma diferente”.

*Articulista da emissora de rádio pública Voz da Rússia