Toninho: o Companheiro 13

Neste 10 de Setembro completam-se 13 anos da perda de nosso companheiro Antonio da Costa Santos, o Toninho, que foi assassinado quando exercia o mandato de Prefeito Municipal de Campinas conferido por cerca de 60% do voto popular em 2000. Não me refiro a Toninho como “amigo” porque desde que o conheci em 1995 nossa convivência foi em espaços e momentos de militância, mesmo em sua casa. Apesar disso, foi uma pessoa por quem desenvolvi um sentimento de carinho para além da mera militância.

Paulo Mariante

Não atuava em Campinas nos anos do primeiro governo do PT, quando Toninho foi decisivo na construção da ruptura do Partido com um personagem – Jacó Bittar – que lamentavelmente se desviara dos princípios e propostas históricas petistas. Apesar disso, acompanhava em São Paulo os acontecimentos e desde então admirei aquele militante que não hesitou em trocar as benesses de um cargo em governo para manter-se fiel aos princípios políticos e programáticos.

Em 1995, como membro da Direção Municipal do PT, acompanhei as conversações com Toninho e todas as correntes internas ao Partido para a construção de seu nome como o consenso para disputar a Prefeitura Municipal de Campinas, e isso só ampliou o respeito e a admiração pelo camarada. Conseguimos a unidade e houve apenas a votação para o nome de vice, que foi outro grande companheiro de luta, o metalúrgico Durval de Carvalho.

A campanha municipal de 1996 foi um grande êxito para um Partido que vinha de enorme desgaste na eleição de 1992, conseguindo aglutinar toda a militância, com suas bandeiras vermelhas e a garra petista. Não esqueço, porém, o lamentável papel do companheiro Luis Inácio Lula da Silva naquela eleição, pois além de declarações infelizes sobre a oportunidade do PT não apresentar candidatura naquela eleição – e apoiar Jacó Bittar, do PSB, ou Jurandir Fernandes, do PSDB, que nem candidato foi! – boicotou acintosamente nossa campanha, nunca tendo posto os pés na cidade ou mesmo gravado uma declaração de apoio.

Apesar destas dificuldades, a militância petista de Campinas com a liderança de Toninho foi às ruas e numa campanha pobre de recursos materiais mas muito rica em criatividade e dedicação, conseguimos colocar Toninho no terceiro lugar daquela eleição e o PT e nosso candidato saíram fortalecidos para os próximos embates. E já naquela eleição gravamos em nossos corações e mentes um grito de guerra que nos acompanharia até a vitória de 2000: “Olê lê, Olá lá, PT Toninho 13 Coragem de Mudar” – “Campinas, Já! Coragem de Mudar!”.

A vida continuou e mesmo antes da eleição de 2000 pude em alguns momentos conhecer um pouco mais desse grande companheiro. Não posso precisar as datas mas as cenas ainda estão vivas em minha memória.

Por volta de 1998 ou 1999, a diretoria do Guarani Futebol Clube tomara a decisão de realizar uma permuta com uma empresa da área de implantação de shopping centers, pela qual seria trocada a área do atual Centro de Treinamento por um terreno na região dos DICs. Era algo absolutamente escandaloso e piorava pelo fato da área do CT ter sido doada pela Municipalidade. E um novo shopping center naquela área atingiria a área envoltória do casarão da Arlindo Joaquim de Lemos, que Toninho comprara com a intenção de tombamento por ser patrimônio histórico e cultural da cidade, o que de fato veio a acontecer.

Com todas essas circunstâncias que apontavam a gravidade do que estava por acontecer em vista do interesse público, Toninho nos procurou no mandato do então vereador Sebastião Arcanjo (Tiãozinho) do PT para que discutíssemos alguma medida para impedir a anunciada transação. Resolvemos ingressar com duas representações junto ao Ministério Público do Estado, sendo uma na área criminal e outra na área cível/administrativa, e ambas assinadas pelo então Presidente do PT Campinas, Durval de Carvalho. Nunca esqueço do entusiasmo quase infanto-juvenil de Toninho com nossa iniciativa, e de sua animação quando fomos fazer o protocolo dos documentos no MP. Os promotores das respectivas áreas instauraram os competentes inquéritos, e a operação “permuta” – que encontrava-se em vias de ser aprovada na Câmara Municipal – acabou se esfarelando. Vitória do interesse público e da cidade, com a participação decisiva de Toninho.

Entre 1999 e 2000 outra questão ainda mais relevante encontrava-se em vias de definição e com graves riscos ao interesse da cidade. O projeto de lei que instituía a APA (Área de Proteção Ambiental) de Campinas passava por um processo de discussão e fase final de redação, para ir à votação pela Câmara Municipal, e o governo então dirigido pelo Prefeito Chico Amaral pretendia incluir no texto definitivo um artigo que abria enorme brecha para que várias agressões já ocorridas naquela área e outras que estavam em vias de ocorrer fossem todas “regularizadas”, o que significaria fazer a APA de Campinas já surgir “natimorta”. Uma Audiência Pública foi convocada para a Societá Italiana em Sousas, com a presença de representantes da Prefeitura Municipal (Departamento de Meio Ambiente) e da Câmara Municipal, que defendiam entusiasticamente aquele atentado à proposta da APA. Depois das falas governamentais, abriu-se o debate com o público e o cidadão Antonio da Costa Santos, que nem candidato a Prefeito era naquele momento, fez uma fala decisiva por sua firmeza e conteúdo, denunciando os interesses da especulação imobiliária que pretendiam mais uma vez se locupletar às custas da vida do povo de Campinas. O resultado é que a conclusão da audiência pública foi contrária ao artigo criminoso e isso obrigou ao governo Chico Amaral a um recuo que permitiu algum tempo depois ao já então Prefeito Toninho em diálogo com a Câmara Municipal aprovar a Lei da APA com as devidas garantias. Outra vitória do interesse do povo de Campinas, contra as oligarquias de sempre.

Em 2000 tivemos uma prévia duríssima dentro do PT para definir nossa candidatura a Prefeito, pois “curiosamente” o mesmo Toninho que fora consenso em 1996 para ser nosso nome de unidade deixara de ser para alguns setores. E enfrentamos momentos pouco edificantes na prévia mas a vontade da militância prevaleceu e Toninho foi nosso candidato. Na memorável campanha do “Tostão contra o Milhão” derrotamos o candidato das oligarquias, Carlos Sampaio, e em 01.01.2001 Antonio da Costa Santos tomou posse como Prefeito do povo de Campinas. E em oito meses de governo Toninho mostrou que vinha para de fato mudar essa cidade, deixando de ser uma Campinas que era muito boa para os ricos mas bastante cruel para o povo pobre e a classe trabalhadora.

Presenciei a fala de Toninho no Salão Vermelho em evento a favor do 20 de Novembro como Feriado da Consciência Negra, algumas horas antes de seu assassinato na Avenida Mackenzie. No auditório lotado nosso companheiro reafirmou a importância de atos como aquele, numa cidade conservadora e aristocrática como Campinas, que era dividida pelos “muros da vergonha” como ele chamava as Rodovias Anhanguera e Bandeirantes, que eram divisas das áreas mais favorecidas pelos serviços públicos e pela riqueza da cidade.

A investigação conduzida pela Polícia Civil do Estado de São Paulo e pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, cujos pressupostos – crime comum, com a absurda tese de que Toninho fora assassinado porque estaria atrapalhando a fuga de criminosos, e imputando a responsabilidade ao conhecido “Andinho” – foi rechaçada pelo Poder Judiciário, tanto na sentença de impronúncia proferida pelo Juiz da Vara do Júri, José Henrique Torres, quanto na decisão unânime da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo diante da apelação dos promotores de Campinas.

O crime está até hoje sem solução e não acreditamos em novas investigações por parte dos órgãos do Estado de São Paulo, razão pela qual a família de Toninho e o movimento “Quem Matou Toninho” continuam lutando pela federalização da investigação e do processo. A postura dos Procuradores Gerais da República até agora não tem sido animadora mas como um novo titular, Rodrigo Janot, assumiu como titular da PGR, devemos retomar a mobilização para convencê-lo a dar o despacho favorável neste caso.

Nestes treze anos de sua trágica morte presenciamos lamentavelmente um empenho pífio de personagens que poderiam ter sido mais decisivos no avanço da apuração das circunstâncias do crime político que levou nosso companheiro. Lula era Presidente da República em seu primeiro mandato e houve necessidade de um “esticar de corda” para que recebesse Roseana Garcia – esposa de Toninho – e demais militantes de Campinas que buscavam do Governo Federal o apoio à luta pela verdade na investigação, inclusive através da federalização do inquérito. Os Procuradores Gerais da República posteriores ao despacho do então Ministro da Justiça do governo Lula, Tarso Genro, que era favorável à federalização da investigação, foram igualmente lenientes e contribuíram para a impunidade que ainda marca esse caso. E mesmo nas atividades que têm sido organizadas a cada ano observamos um número cada vez menor de militantes que acompanharam Toninho na sua trajetória rumo ao Paço Municipal de Campinas.

O título deste artigo é uma lembrança bem humorada de algo que Toninho fazia, mesmo antes de ser candidato a Prefeito, quando telefonava para falar conosco sobre algum assunto identificava-se assim: com a voz grave e tranquila, anunciava-se “Alo, aqui quem fala é o 13”, numa menção ao número do PT para as eleições.

Reafirmamos aqui nossa solidariedade à família, em especial a Roseana, Marina e Paulinho, e nossa disposição de manter acesa a chama da indignação com o assassinato e a subsequente impunidade dos responsáveis. A memória de nosso companheiro Toninho exige de todas e todos que com ele conviveram e compartilharam de suas lutas e sonhos, o compromisso não apenas de continuar lutando pela apuração do crime político mas de manter erguidas e vivas as bandeiras que ele tão bem soube expressar. Uma cidade que seja de fato para toda a população, e não marcada pelos guetos de riqueza e de pobreza, com a marginalização de quem não é parte da oligarquia que sempre a dominou. Por tudo isso, ainda vale a pena lutar.
 

PT Toninho 13: Presente!

Paulo Mariante, militante do PT e Presidente do Conselho Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de Campinas