As Aventuras do Avião Vermelho
Inspirado em livro infantojuvenil do autor de Olhai os Lírios do Campo, o desenho animado As Aventuras do Avião Vermelho, que estreou dia 11, tenta abrir espaço num segmento dominado pelos Estúdios Disney.
Por Maria do Rosário Caetano
Publicado 13/12/2014 15:14

Erico pai e Verissimo filho são as matrizes de “As Aventuras do Avião Vermelho”, longa-metragem de animação, dirigido pela dupla gaúcha Frederico Pinto e José Maia, em cartaz nos cinemas das regiões Sul e Sudeste. Num segundo momento, o filme chegará a todo território brasileiro.
Há décadas, o Brasil luta para colocar conteúdo nacional no lucrativo terreno da animação infantojuvenil. Mas a hegemonia de Hollywood, em especial a dos filmes dos Estúdios Disney, segue imbatível.
Fora longas-metragens da Turma da Mônica, realizados pelos Estúdios Maurício de Souza, pouco se fez para que a animação brasileira atingisse o grande público. Agora, um time de artistas, com destaque para os gaúchos, tenta conquistar pelo menos uma fatia da imensa e cativa plateia dos grandes estúdios estadunidenses.
A brigada que vem dos pampas é muito mais que um exército de Brancaleone. A começar pela fonte do novo longa-metragem: Erico Verissimo (1905-1975), autor do livro As Aventuras do Avião Vermelho, escrito em 1936. A Companhia das Letrinhas mantém, nas livrarias, bela edição do clássico literário, ilustrada por Eva Funari.
A trama do filme inclui outro grande nome das letras gaúchas e brasileiras, Luis Fernando Verissimo. Foi para o filho, que acabava de nascer, que Erico urdiu a estória de Fernandinho, menino de imaginação fértil, capaz de incorporar a coragem e o espírito aventureiro do Capitão Tormenta, piloto de avião, que corria mundos.
“Tu” no lugar do “você”
Frederico Pinto e José Maia, que comandam “As Aventuras do Avião Vermelho”, têm uma grande folha de serviços prestados ao cinema de animação. Para ajudá-los, convocaram centenas de artistas do Rio Grande do Sul (um dos estados que mais investem em desenhos animados, vide o trabalho de Otto Guerra, diretor de “Rocky & Hudson – Os Cowboys Gays”, “Wood & Stock – Sexo, Orégano e Rock’n Roll” e “Até Que a Sbórnia Nos Separe”).
As Aventuras do “Avião Vermelho” mantém o falar gaúcho (com o “tu” no lugar do “você”). O personagem principal do livro – Fernandinho, menino travesso e de imaginação indomável – é dublado por Pedro Yan, um jovem gaúcho. O pai do personagem também tem a imagem e a voz de um ator riograndense, Sérgio Lulkin. Os demais dubladores e, em alguns casos fontes inspiradoras dos personagens, são cariocas, baianos ou paulistas. Milton Gonçalves faz a voz do avião. Lázaro Ramos empresta seus traços e ginga ao boneco afro-brasileiro, Chocolate. Zezeh Barbosa faz Josefina, que trabalha na casa de Fernandinho e cuida dele. Wandi Doratiotto, ator e cantor do Premê, empresta sua voz ao Ursinho.
Asas à imaginação
A trama, que ganhou cores vivas, muita ação e trilha sonora das mais dinâmicas (ninguém reclamará de tédio ao assistir aos 74 minutos do filme), tem em Fernandinho seu protagonista absoluto.
Hiperativo, oito anos, ele passa largos momentos lendo estórias aventurosas do Capitão Tormenta. O aviador percorre o mundo num avião vermelho. Ao ser presenteado com um brinquedo (justo um aviãozinho vermelho) o garoto criará sua própria aventura.
Graças a uma lente (de aumento e de redução!), ele conseguirá, junto com Chocolate e Ursinho, ser miniaturizado. Empreenderá, então, viagem pelos mesmos locais visitados pelo Capitão Tormenta: a lua, a China, a África e a Índia (quer chegar a Kamtchaka). No percurso, enfrentará muitos perigos: ventanias, relâmpagos e até um exército de tico-ticos.
Os desenhos foram realizados com lápis, papel e também com a ajuda de computadores (mas sem recorrer ao 3D). Os computadores e videogames estão no ambiente doméstico de Fernandinho, pois hoje toda criança urbana convive com o mundo digital. Foram realizados, para o filme, mais de 50 mil desenhos.
Momento promissor
Quatros anos foram gastos na feitura do filme (três de animação e um de finalização). Frederico lembra que, desde o dia em que começou a desenvolver o projeto e iniciou as tentativas de viabilizá-lo se passaram 10 anos.
E mesmo que “a produção brasileira de animação venha crescendo nos últimos anos, a formação de mão de obra não se dá, ainda, no ritmo necessário”. Por isto, “boa parte da nossa equipe e da equipe de ‘Até que a Sbórnia nos Separe’ (longa produzido na mesma época, em Porto Alegre) foi formada em um curso ministrado pelo José Maia, em parceria com o Otto Guerra”.
“As Aventuras do Avião Vermelho” foi o primeiro filme de muitos jovens profissionais, que nestes anos de produção conseguiram se desenvolver e aprimorar seus conhecimentos. Certamente um próximo filme, com esta equipe, terá um período menor de produção, graças ao aprendizado acumulado.
Os profissionais formados pelas equipes de “Avião Vermelho” e “Sbórnia” poderão usufruir de um mercado bem melhor que o existente até três ou quatro anos atrás, quando foi implantada a Lei da TV a Cabo (que exige a exibição de três horas semanais de produção nacional nas emissoras por assinatura).
“Vivemos um momento promissor, a produção está crescendo e, o que é melhor, estão sendo realizadas muitas animações com qualidade e personalidade (estamos descobrindo uma voz própria e cada vez mais nos afastando das “fórmulas de sucesso” estadunidenses). Há mecanismos e formas de viabilizarmos um projeto, mas precisamos investir em formação e qualificação de mão de obra especializada, principalmente roteiristas de animação, artistas de storyboard e animadores. Senão, não teremos como competir em mercado tão disputado.”
Fiel à essência
Frederico Pinto, que além de dirigir o filme com José Maia, é um dos autores do roteiro, conta que algumas modificações foram inseridas na trama do livro. Afinal, “Erico Verissimo o concebeu há quase 80 anos”. Mas – garante – “a essência foi mantida e boa parte do enredo é bem próxima ao livro. Nós só fizemos algumas escolhas, focamos mais em determinados pontos, como a relação pai e filho, e enriquecemos a personalidade de alguns coadjuvantes, como o Ursinho e o Chocolate, companheiros de aventura do personagem principal”.
Frederico e equipe realizaram, para a família Verissimo, sessão especial do “Avião Vermelho”, em um cinema de Porto Alegre, antes da estreia comercial do filme.
“O Luis Fernando foi com boa parte da família Verissimo à pré-estreia do filme. Como ele consegue ser mais tímido do que eu, não teceu muitos comentários. Mas estava com um sorriso estampado na cara e tirou fotos com a equipe (sempre com a netinha ao seu lado). Ao ser perguntado se seu pai se divertiria com o filme, respondeu com convicção, para nosso contentamento, que ‘se divertiria sim!’”.
Fonte: Brasil de Fato