2014: palestinos e israelenses, na roda-gigante sem fim do conflito

Um confronto de novo tipo, com o cenário diplomático como campo de batalha, é a fisionomia do conflito histórico palestino-israelense, marcado neste ano pela agressão entre julho e agosto contra a população civil de Gaza.

ataque aéro em Gaza - David Buimovitch | AFP

Outro fato significativo, possível detonante desses ataques, foi a conclusão do processo de aproximação entre o Hamas, o movimento islamista que controla a faixa, e o Al Fatah, a mais numerosa das entidades que conformam a Organização para a Libertação da Palestina (OLP).

A reconciliação entre ambos os grupos foi evidente após uma conversa telefônica do presidente palestino, Mahmoud Abbas, e o líder do Hamas no exílio, Khaled Meshaal, durante a qual o segundo deu ao presidente seu voto de confiança para as conversas de paz com o governo israelense.

“Já sei o que fazer e dizer que se as negociações fracassam; aos meus 79 anos de idade não vou trair a causa de meu povo”, afirmou Abbas a Meshaal, em uma demonstração não de clarividência, mas sim da certeza de que as negociações, patrocinadas pelos Estados Unidos, caminhavam para um naufrágio inexorável.

Como efetivamente ocorreu, pois o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, cuja conduta impediu que as negociações decolassem, suspendeu as conversas assim que a conformação de um gabinete palestino unitário foi anunciada.

A longa sequência de bombardeios contra a faixa ocorreu quase ao mesmo tempo em que o Estado Islâmico intensificou suas ações no Iraque, uma coincidência que foi significativa, em particular para aqueles que não creem nas casualidades quando se trata de política.

Conforme as estatísticas de agências da ONU, aproximadamente dois mil e 400 civis, em sua maioria mulheres e crianças, morreram pelas bombas da aviação e da artilharia de Tel Aviv, que também devastaram os remanescentes da infraestrutura desse território, um dos mais pobres e superpopulosos do mundo, além de bloqueado há oito anos.

A agressão militar israelense, um fato que se repete com precisão quase cronométrica a cada dois anos, foi considerada por fontes palestinas e internacionais como uma represália pela conformação do gabinete unitário, surgido da convicção do Hamas e do Al Fatah de que a coesão é a única via para conseguir o estado independente.

Os 50 dias de ataques seguiram uma operação de castigo coletivo contra cidades da Cisjordânia depois do sequestro e execução de três moradores dos assentamentos sionistas nessa zona, notórios por seus ataques aos palestinos, seus cultivos e as mesquitas, os templos nos quais os muçulmanos cumprem seus deveres religiosos.

A noção de que o sequestro dos moradores judeus foi usado como pretexto para iniciar a agressão e abortar o gabinete unitário ganhou força depois de que meios da imprensa israelenses revelaram que Netanyahu estava sabendo do lugar em que estavam os reféns e se absteve de conseguir sua libertação.

Os ataques foram prejudiciais já que acionaram a rejeição da opinião pública mundial diante da evidência da assimetria entre as forças atacantes e a dos agredidos e impuseram uma nova perspectiva do conflito palestino-israelense.

Um primeiro indício nesse sentido foi o resultado da conferência mundial para a reconstrução de Gaza, realizada na capital do Egito, na qual o país anfitrião e a Noruega, esperavam aportes de cerca de quatro bilhões de dólares e obtiveram cinco bilhões 400 milhões.

Essa tendência, fator essencial na análise política, foi reforçada a fins de outubro quando o governo sueco reconheceu o Estado palestino independente, decisão que provocou uma das birras públicas do primeiro-ministro israelense, que não seria a primeira, nem a última.

No curso das seguintes semanas os parlamentos da Espanha, Grã-Bretanha e França aprovaram resoluções nas quais recomendam aos respectivos governos adotarem uma decisão similar, significativas enquanto evidenciam o repúdio que provoca a impunidade israelense na ocupação da Palestina.

Os palestinos apresentaram ao Conselho de Segurança da ONU um projeto de resolução que fixa um período máximo de dois anos para a retirada das tropas de Tel Aviv dos territórios ocupados e reiteraram sua decisão de solicitar sua entrada em acordos e agências do organismo mundial.

A entrada da Palestina nessas agências, que tem o estatuto de país observador não membro na ONU, abre a possibilidade de denunciar os desmandos da potência ocupante, incluída o confiscamento de terras na Cisjordânia, considerado um crime de guerra nos estatutos da IV Convenção de Genebra.

A iniciativa ficou conformada em uma reunião de chanceleres da Liga Árabe em novembro, que se encarregou de apresentar o texto à Jordânia em sua condição de membro não permanente do Conselho.

Ainda que dá-se por certo que o projeto não prosperará nessa selva diplomática que é a ONU devido à oposição dos Estados Unidos, com direito de veto em sua condição de membro permanente do órgão.

A estas alturas do ano que já se encerra, o conflito entre palestinos e israelenses tende a se intensificar, em particular desde que Netanyahu demitiu dois ministros de seu gabinete, Tzipora Livni e Yair Lapid, titulares de Justiça e Finanças respectivamente, por suas constantes críticas e convocou eleições antecipadas.

Ambos os ministros se opõem à iniciativa do chefe do gabinete para declarar Israel um estado judeu e a sua política maximalista, que consideram estar conduzindo o país ao isolamento internacional.

As eleições antecipadas podem resultar em um gabinete mais extremista ainda que o atual, uma possibilidade que o governo palestino considerou que a longo prazo pode beneficiar sua causa, já que os problemas, para serem resolvidos, precisam chegar à sua crise extrema.

Fonte: Prensa Latina