Lobão e Rita Lee: quem é quem diante da sombra da ditadura?
Em menos de dois anos, Lobão admitiu ter caído em cinco ou seis ciladas, entrado em diversas arapucas e contado não sei quantos desenganos. Tudo está registrado em vídeo, pra todo mundo ver. Com esse histórico, será ele a figura mais autorizada a clamar pela derrubada de um governo recém eleito? Ou suas atuais fanfarronadas não passam de bramidos de um cordeiro útil sacrificado às raposas da política brasileira?
Por Bajonas Teixeira de Brito Junior*
Publicado 19/12/2014 11:53
Lobão está radiante. Em atividade frenética, guindado ao centro das atenções, vedete do impeachment e ídolo da UDR. Quem diria que o rock brasileiro floresceria no húmus adubado pelo latifúndio? Mas ai estão as flores de estufa dos jardins de Ronaldo Caiado. O ultraje começou com Roger. Como nada é unânime, a não ser a burrice, o rock brasileiro deu em duas vertentes bem demarcadas, separadas na verdade por um abismo. Uma é a de Rita Lee, que sustentou a rebeldia até o fim e hoje, depois da condenação por ser realmente a ovelha negra da família, está proscrita e enclausurada numa semi-prisão domiciliar. A outra é a de Lobão, leão de chácara de sítios e fazendas visadas pelo MST. Um lobo e uma ovelha, mas talvez em peles trocadas.
Note-se que, acuada pela ira da PM, Rita Lee não recebeu o apoio nenhum da mídia, que ficou muda deixando o pau quebrar pra cima da cantora e compositora. Ou se manifestou através de charges hediondas, como as saídas da pena do Alpino, que mal disfarçava o gozo em representar a cantora atrás das grades. Já Lobão está sendo bem prestigiado na sua cruzada udenista, andou estampado em três ou quatro dos maiores portais na semana passada. Não é á-toa que está radiante e sorridente. (Ride, ridentes! Derride, derridentes!)
A trajetória de Lobão, ao contrário da firmeza de Rita Lee, que levou até o fim as suas convicções sem se curvar a pedir desculpas, fala por si. Rita Lee quando condenada manteve a pose e não caiu do salto:
“A truculência que houve no meu show foi igual a das recentes manifestações [as de 2013]. Me posicionei ao lado do público. Para safado, nenhum tostāo furado. Apenas minha silenciosa manifestaçāo anti vocês-sabem-quem. Quando a ditadura é um fato, a resistência é um dever”.
Mas vejamos as idas e vindas sinuosas de Lobão, que em alto e bom som se auto-proclama ex-CV, Comando Vermelho.
Em sua autobiografia destilou uma ira virulenta contra Mano Brown dizendo que se tratava de um idiota útil a serviço do PT. Mano Brown então o desafiou para um mano a mano, diante do que Lobão não contente em afinar ainda amarelou. Começou aqui a sua saga cada vez mais verde e amarela.
Logo depois veio o trote em que supostamente do outro lado da linha um Mano Brown benevolente içava a bandeira branca para um Lobão intimidado, que se desfazia em sorrisos pegajosos. Ato contínuo, ele correu para o twitter para anunciar a paz.
“Atenção, enfim uma lenda notícia [parece que queria escrever 'linda notícia' mas saiu 'lenda notícia', nada mais veraz], o Mano Brown acabou de me ligar, tivemos uma conversa franca e decidimos que vamos fazer um som juntos.”
A alegria durou pouco. Logo se soube que não passava de mais uma armadilha em que o Lobão desavisado caía, dessa vez armada pelo Pânico na TV. No início de 2014, ele aceitou participar de um quadro do CQC que, traiçoeiramente, o surpreendeu com sua turba de meninos cantores bradando o seguinte:
“Pó, pó, pó, pó, pó, pó, pó, pó / Simpatizava … pra geral / Tem a língua afiadaaa/ Mas afinou pro Mano Brown”
Possesso, por pagar de otário, o que não seria a primeira nem a última vez, Lobão estrilou: “Afinou para Mano Brown é o caralho!” Foi mais um episódio da série sem fim de enganos que ele tem frequentado e cometido. Mais uma “cilada criminosa”, como desolado ele reportou em tom amargurado no Youtube ao seu alter ego Olavo de Carvalho.
Isso foi no mesmo dia em que compareceu ao programa de Rafinha Bastos como grande atração da noite. E sobre isso também confidenciou ao seu amigo, como o leitor pode ver no link acima, ter sido ludibriado e ter caído em cilada. Já são três armadilhas em que o esperto Lobão mostra que não é raposa.
Recentemente tivemos a primeira marcha do impeachment. Lobão comandou o hangout que ele anunciou como sendo um “hangout histórico reunindo todas as lideranças dos movimentos populares que sairão às ruas no dia 15”. Todos estavam ali reunidos para mostrar as diretrizes que serviriam como uma carta de intenções do movimento. Lobão é o líder e articulador, a cabeça organizadora de toda essa seleta nata de conspiradores do 15 de novembro.
Pois bem. O que se viu na passeata tão bem organizada? Que ela tinha por trás, o que o próprio Lobão líder não sabia, as mãos dos celerados adeptos do golpe militar. Nosso líder adentrou em mais uma cilada, como se expressou no twitter:
“CILADA INFAME! Eu chego no MASP e a primeira coisa que vejo é um mega caminhão com um cartaz com os dizeres Intervenção Militar Já! PALHAÇADA!”
Isso já está ficando chato, não? É muita cilada para um tolo só. Mas a coisa não parou por ai. A explicação de Lobão foi que houve intrusão da extrema direita:
“Um monte de gente indo embora desapontadíssima com essa invasão de cretinos da extrema direita.”
Mas então veio a passeata do dia 6 de dezembro, sábado passado, o quinto ato público. E o que aconteceu? Lá estavam os mesmos clamores descarados suplicando pelo golpe militar. Isso não surpreendeu nem poderia surpreender, porque é essa a essência dessa classe média histérica. O que foi surpreendente foi a nova explicação de Lobão, talhada para encobrir a presença da extrema direita (a verdadeira organizadora dessas manifestações). Seu diagnóstico foi esse:
“Uma tremenda arapuca de infiltrados do PT,PC do B e do PDT no grupo intervencionista.”
Ora, não é mais a extrema direita que se infiltra para pedir o golpe, agora é a esquerda que rouba a cena. Não é engraçado? Ou melhor, não é ridículo? Mas o mais grotesco ainda está por vir. Lobão ao sair da manifestação nesse mesmo sábado emitiu notas dissonantes sobre a ausência de Aécio e outros:
“Cadê o Aécio, o Caiado?”, indagou perplexo. “A gente precisa deles, a gente precisa desesperadamente desses caras aqui.”
Essas ausências levaram-no a reconhecer a situação insustentável em que se envolveu, ou seja, em mais uma cilada: “Estou pagando de otário”. Acredito que o leitor já perdeu a conta, mas devemos já ter chegado à meia dúzia de ciladas. Ocorre que logo depois, no dia seguinte ou dois dias depois, uma nova pérola veio ferir os ouvidos mais sensíveis. Lobão sacava do bolso do colete uma justifica para a ausência de Aécio, a mesma que ele tinha repudiado dois dias antes porque o fazia “pagar de otário”:
“Foi crucial ele não ir. Nem ele nem a grande maioria dos parlamentares, pois era uma tremenda arapuca de infiltrados do PT,PC do B e do PDT no grupo intervencionista. A maior arma de ridicularização dos movimentos de rua é a pecha de golpe militar e é esse o foco principal dos infiltrados.”
Se Lobão pode ser engando por Rafinha Bastos, que comprimido contra o piso da baixa audiência, estava bastante limitado na sua capacidade de enganar; se foi ridicularizado pelos energúmenos do Pânico, com seu baixo nível asqueroso; se caiu nas armações do CQC, se além disso ainda vive encantado pelo embusteiro “filósofo”, Olavo de Carvalho, comédia que fazia a diversão da garotada adolescente no Orkut (a comunidade se chamava Olavo de Carvalhos nos odeia, e o próprio vivia lá xingando a molecada que o ridicularizava); se, voltando, Lobão amarelou e afinou para o Mano Brown e depois enrubesceu por isso; se os seus parceiros e iguais, dão-lhe pernadas com ciladas em série nas manifestações que ele mesmo organiza; se ele diz hoje uma coisa e amanhã se desdiz frontalmente, podemos concluir que sua trajetória é eloquente demais e nos exime de acrescentar sequer um pingo.
Em casos como esse, os adjetivos se tornam supérfluos. É melhor poupá-los. Seja como for é de se perguntar como, com esse histórico rebolativo, dublê de político vaselina e de dançarina do É o Tchan, pode ele pretender posar de liderança política. Mesmo os maiores rufiões da política brasileira insistem em manter algum decoro para o público ver. Mas não será que ao exceder toda incontinência possível Lobão justamente tenha se qualificado como o líder mais afim ao grupo de desqualificados que ele pretende representar?
Lobão é uma marionete útil sob o qual desliza o universo paralelo do latifúndio, dos jagunços a soldo, do partido da PM. São os ingênuos peitudos, aventureiros e dispostos a tudo como ele que sempre são usados pelas direitas. Ele crê, possivelmente com sinceridade de neófito, em uma distinção entre os manifestantes democráticos e os golpistas, mas um mínimo de informação histórica faria ele ver que essa distinção só engana a ele mesmo: no Chile, de uma semana para a outra, a mesma direita que dizia querer derrubar Salvador Allende pelo voto, passou a apostar todas as suas fichas no golpe militar.
Quem é Lobão então? Um bufão turbulento? Um mitomaníaco compulsivo? Um ingênuo à serviço das elites dominantes? Um cordeiro inexperiente imolado na pira do churrasco dos fazendeiros Aécio Neves e Ronaldo Caiado? Na verdade, Lobão é um grande poeta, cantor e compositor. Está a milhas de distâncias da mediocridade acústica de um Titãs, para ficarmos apenas nesta vacuidade muito prestigiada. É uma infelicidade que a situação brasileira, que ninguém pode ignorar, tenha arrastado para a cena política essa figura, que nela caminha como um albatroz na proa de um barco pirata. Seu pescoço longo pode não estar a salvo por muito tempo e, como ele tem visto, é a própria tripulação da sua nau de tresloucados que lhe tem armado as piores armadilhas. De todo modo, como Platão tinha percebido muito bem, os poetas mentem demais.
Mas, e quem é Rita Lee? Para ela só me ocorre adaptar o dito de uma filósofa e militante polonesa, barbaramente assassinada pela violência desenfreada dos Freikorps alemães (os mesmos que formaram o esteio da SA, base da ascensão de Hitler ao poder): Rita Lee é o antídoto à flacidez e à falta de escrúpulos que tomam conta do país.
*É doutor em Filosofia, autor do ensaio, traduzido pelo filósofo francês Michael Soubbotnik, Aspects historiques et logiques de la classification raciale au Brésil e do livro Lógica do disparate.