Campanha contra armas nucleares ganha força, mas ainda tem desafios

As Ilhas Marshall, país da Micronésia com estatuto de “livre associação” aos EUA (assim como os Estados Federados da Micronésia e Palau), foram palco de testes nucleares do programa estadunidense entre 1946 e 1958.

Por Moara Crivelente*

EUA quase detonou bomba nuclear na Carolina do Norte em 1961 - Wikicommons

De acordo com a organização civil Nuclear Zero, que promove casos judiciais relativos à campanha global pela abolição das armas nucleares e pela responsabilização por seu emprego, 67 bombas nucleares foram detonadas sobre as Ilhas durante o período do programa norte-americano. Uma delas foi a maior já testada pelos EUA, “Castle Bravo”, ainda mais potente do que a lançada sobre Hiroshima, em agosto de 1945.

É por este motivo que a organização Nuclear Zero promove a campanha em apoio às Ilhas Marshall em sua petição, enviada em 24 de abril de 2014 ao Tribunal Internacional de Justiça e à Corte Distrital Federal dos EUA. De acordo com a organização, “as nove nações detentoras de armas nucleares falharam em cumprir suas obrigações, sob o Tratado de Não Proliferação Nuclear e o direito internacional costumeiro, de dedicarem-se às negociações para a eliminação mundial das armas nucleares. As Ilhas Marshall agem pelos sete bilhões de nós que vivem neste planeta para encerrar a ameaça das armas nucleares que ainda paira sobre toda a humanidade.” A petição já angariou mais de cinco milhões de assinaturas.

Os nove países detentores de armas nucleares hoje são os Estados Unidos, a França, Reino Unido, Rússia, China (cinco signatários do Tratado de Não Proliferação Nuclear, que entrou em vigor em março de 1970), Israel, Índia, Paquistão e República Popular Democrática da Coreia (não signatários do TNP; Israel nem mesmo admite possuir o arsenal, até hoje não verificado pela agência competente).

A Nuclear Zero estima que 100 milhões de pessoas morreriam em 30 minutos caso 500 armas nucleares fossem usadas nas maiores cidades. Os testes nucleares também são denunciados, assim como o armazenamento e o transporte. Em 1961, por exemplo, os EUA quase detonaram uma bomba 260 vezes mais potente do que a lançada sobre Hiroshima (em agosto de 1945, quando mais de 100 mil pessoas morreram) em Goldsboro, no estado de Carolina do Norte, quando um bombardeiro B-52 rompeu e derrubou duas bombas de hidrogênio Mark 39, equivalente a quatro milhões de toneladas de TNT (quatro megatons). A informação foi mantida em segredo até 2014.

O jornalista Eric Schlosser, que acessou os documentos devido ao Ato pela Liberdade de Informação, disse tratar-se de provas de que as alegações do governo estadunidense sobre a segurança do seu programa nuclear são falsas. O programa é mantido na sombra para que os cidadãos não façam perguntas, mas o jornalista descobriu que 700 “acidentes significativos” ocorreram entre 1950 e 1968, envolvendo 1.250 armas nucleares. Além disso, há informações sobre a armazenagem de arsenais dos EUA, por exemplo, na Europa e no Oriente Médio. O antigo premiê holandês, Ruud Lubbers, afirmou em junho de 2014 que a Holanda armazena 22 armas nucleares estadunidenses na base aérea de Volkel. O mesmo ocorreu, desde a chamada Guerra Fria, na Bélgica, Alemanha, Itália e Turquia, no quadro da aliança na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

A campanha global pela abolição das armas nucleares – e não apenas pelo seu controle – leva às regulares Conferências de Revisão do TNP. A próxima está marcada para abril de 2015, em Nova York, na sede da Organização das Nações Unidas. Há 189 signatários do tratado, cujos pilares são a não proliferação, o desarmamento e o uso da energia nuclear para fins pacíficos. Porém, os desafios pela eliminação das armas nucleares continuam graves, ainda que as maiores potências, EUA e Rússia, tenham concordado em reduzir seus arsenais.

A falta de compromisso dos EUA reflete-se, por exemplo, na redução em US$ 460 milhões no orçamento de 2014 para o programa de não-proliferação, segundo um relatório de abril do Centro pela Integridade Pública, e o aumento em US$ 500 milhões para o programa nuclear, que passa por uma “modernização”. Além disso, o novo “Conceito Estratégico” da Otan prevê investimento na política de “dissuasão nuclear” com o posicionamento de mais armas na Europa e na Turquia. A estratégia foi aprovada oficialmente pela primeira vez ainda em 1954, mas foi recentemente retomada até mesmo como suposta "contenção de gasto", já que a ameaça sairia mais barata do que a guerra.

Mais do que nunca, a mobilização internacional dos movimentos sociais é essencial para exercer-se pressão contra a política retrógrada e anacrônica das ameaças disseminadas, que continuam colocando os povos de todo o mundo sob a mira da ação belicosa e suas consequências, principalmente desde o círculo imperialista. A revisão do TNP deve fortalecer o caminho pela abolição das armas nucleares e outras armas de destruição em massa, em detrimento da atual política de controle e manutenção.

*Moara Crivelente é cientista política, jornalista e membro do Cebrapaz, assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz.