O tradicional aumento da tarifa em um complexo cenário político

Ano após ano o povo brasileiro se habituou aos sucessivos aumentos tarifários do transporte público, até o fatídico aumento de junho de 2013. Os tradicionais atos contra o aumento da passagem aconteceram pelas cidades brasileiras, como de praxe.

Por Henrique Domingues*, no portal da UJS

Passe livre etudantil - UJS

A capital paulista, neste cenário controverso, protagonizou aquele que seria o estopim das históricas “Jornadas de Junho”: A forte repressão policial mobilizou milhões de brasileiros às ruas, numa movimentação que, pela primeira vez, foi capaz de barrar o aumento da tarifa do ônibus em todo o território nacional.

Já em 2015, depois do segundo turno eleitoral mais disputado da história do país, acontece um novo aumento nas tarifas do transporte público e a questão volta ao centro do debate político.

Entretanto, o aumento se dá sob uma conjuntura mais complexa e polarizada. As Jornadas de Junho, além da vitória histórica, trouxeram consigo uma forte ascensão de ideais conservadores para a ordem do dia do povo brasileiro, uma vez que os rumos do movimento foram fortemente pautados pela mídia golpista. A prova disto se deu no resultado das urnas nas eleições de 2014.

Diante deste novo cenário de disputa entre forças políticas progressistas e conservadoras, o cartel das empresas que hoje controlam o transporte público imprime um novo aumento da tarifa e, mesmo os governos compostos por forças progressistas, se veem obrigados a aumentar os valores e causar um transtorno na vida de todos e todas que usam o transporte coletivo. O aumento se dá sob circunstâncias que fogem ao controle do governo e a questão do transporte esbarra num ponto mais profundo do cotidiano urbano: a mobilidade.

As cidades brasileiras, principalmente as de grande porte, rumam ao colapso. Vias cada vez mais entupidas de carros, coletivos cada vez mais lotados, serviços públicos cada vez mais precários. A mobilidade urbana tem papel fundamental e direto na qualidade de vida dos moradores dos grandes centros urbanos e, mesmo assim, raramente governos promovem políticas que otimizam a mobilidade e que façam o enfrentamento ao cartel de empresas que opera o transporte coletivo com foco no lucro ao invés da qualidade do serviço prestado.

O momento político atual se torna ainda mais complexo quando a cidade de São Paulo anuncia o aumento da tarifa, mas também o passe livre para estudantes da rede pública de ensino e estudantes universitários de baixa renda na rede pública, do Prouni e do Fies na rede privada. O governo estadual já sinalizou que fará o mesmo. A movimentação governamental soa como se passe livre fora dado como um “cala a boca”, visando evitar um novo junho de 2013. Mas não foi!

Além do estopim de 2013, há décadas o movimento estudantil reivindica nas ruas o passe livre estudantil, sendo assim a medida que a prefeitura de São Paulo aprovou configura uma vitória histórica dos estudantes. Foram assembleias, passeatas, ocupações, paralizações dentre as mais diversas possibilidades de lutas e mobilizações estudantis pautando o passe livre que culminaram na recente aprovação da política que também tem um viés de combate à evasão. O acesso à cidade é ponto fundamental na formação de um estudante.

Ademais, com um viés político mais progressista, o governo da capital paulista vem, desde o início do mandato, apresentando políticas que buscam melhorar a mobilidade paulistana. Em dois anos tivemos a implantação do Bilhete Único Mensal, de centenas de quilômetros em corredores exclusivos para ônibus, em ciclo-faixas e, por fim, ônibus 24h a partir deste ano.

Em contrapartida, no que tange a realidade paulista, não se viu nenhuma movimentação por parte do governo estadual em prol da mobilidade das grandes regiões metropolitanas que se espalham ao longo do estado de São Paulo. A falta de integração metro-ferroviária plena na Região Metropolitana de São Paulo com cidades como Guarulhos e São Bernardo do Campo excluídas do sistema, a ausência de pluralidade modal em Regiões Metropolitanas como as de Campinas e da Baixada Santista e as tarifas extremamente abusivas da EMTU por todo o estado que afetam o cotidiano de muitos paulistas, são bons exemplos do descaso do governo estadual.

Diante da elevada polarização e disputa de opinião entre as correntes de pensamentos progressistas e conservadoras, nos resta, frente ao novo aumento, atuar com cautela para com nosso país e, principalmente, nossa democracia. Todos os governos e, principalmente o atual sistema político, têm a sua parcela de culpa no sucessivo aumento das tarifas e do cada vez maior poder dos cartéis, seja em nível municipal, estadual ou federal. Contudo, identificar os atores e centrar fogo naqueles que, cada vez mais, se distanciam da vontade popular é de suma importância para a vitória nesta nova jornada de lutas contra as tarifas, por mais qualidade na mobilidade urbana, pleno acesso às cidades e, acima de tudo, para o desenvolvimento do Brasil.

*Henrique Domingues é diretor da UEE-SP e estudante da Comércio Exterior na Fatec