Publicado 26/01/2015 12:17 | Editado 04/03/2020 16:26
O Marquês de Sade, que deu nome ao sadismo, disse em diálogo num de seus romances: “Mas de onde vem então esse gosto monstruoso? Da natureza, minha filha”.
A crueldade e a tortura acompanham a história humana desde tempos imemoriais, tanto quanto, o desejo sexual e o impulso a subjulgar e possuir outras pessoas e objetos. A sua forma institucionalizada está contida tanto na organização social (família, Estado) quanto na mentalidade inconsciente coletiva e individual.
Gozar com a dor do outro, que psiquiatras e psicanalistas tão bem conhecem no par sadismo-masoquismo, nasce de uma abordagem aparentemente amorosa. O sádico dá presentes, convida para jantares, envia flores, seduz sua parceira e se torna seu ídolo e amante. Aos poucos sua conduta terna e amigável vai se tornando hostil e agressiva, até ao ponto de exigir do outro toda sorte de abjeções, humilhações e perversões para que o diabólico enlace permaneça. A reta final pode ser cuspir e defecar sobre o parceiro, quando não mutilá-lo fisicamente, num devastador diapasão, no qual a perversão já tomou conta da parceria, substituindo o terno gosto do amor pela explosão destrutiva do gozo na e pela loucura.
O Estado ditatorial ou ditadura de qualquer natureza pretende pela intimidação e medo anular através do constrangimento moral ou eliminar fisicamente por meio das várias formas de tortura o inimigo político. Os procedimentos variam desde arrancar dentes ou dedos sem anestesia, choques elétricos na vagina e no ânus, estupros praticados coletivamente e outras torpezas que parte das forças armadas latino-americanas e brasileiras cometeu durante as ditaduras militares que alguns idiotas no nosso país pretendem ressuscitar.
Gostaria de perguntar ao senhor Bolsonaro o que ele faria se algum filho tivesse sido atingido por alguma prática sadista dessa natureza e acrescentar que o estupro que ele exaltou é um crime tão hediondo quanto aqueles que criminosos como Marcola e Beiramar aplaudem.
O Brasil viveu essa barbaridade na qual há total confusão entre jurídico e político, abrindo espaço para o crime institucionalizado. Diz Kervégan que ao contrário da ótica dominante, o político não é o inverso, ou mesmo a denegação do jurídico: não há direito sem política.
Demonizar a política ou torná-la espaço privilegiado da corrupção é tão estúpido quanto considerar a tortura como apanágio de militares. A Comissão da Verdade revelou os crimes da ditadura e os presidentes militares que mantiveram a excepcionalidade jurídica que os respaldava através de um Direito sem legitimidade. É preciso acrescentar que a imprensa brasileira, não somente silenciou, mas participou dessas ações criminosas, tanto quanto o grande empresariado que financiou através da Fiesp e outras congêneres, essa extensa gama de barbaridades que marcam a história recente do Brasil.
A mentalidade colonial brasileira precisa se dar conta de que vencemos a torpeza da tirania e da tortura, restaurando a democracia no Brasil com o movimento “Diretas já”. O terror disfarçado de democracia é abominável!
*Valton de Miranda Leitão é Psiquiatra
Fonte: O Povo