Mendes engaveta há dez meses ação sobre financiamento de campanhas

Em abril de 2014, o ministro Gilmar Mendes pediu vistas do processo e não o devolveu até agora; para cientista político, doações de empresas a campanhas “transformam o processo político em um negócio”.

Gilmar Mendes é ministro do STF

Na última segunda (2), completaram-se dez meses desde que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vistas da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 4.650, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), contra o financiamento empresarial de campanhas eleitorais.

Em 2 de abril de 2014, seis dos onze magistrados da Corte votaram a favor da ação – entre eles, Ricardo Lewandowski, atual presidente da Casa. Apenas um, Teori Zavascki, se manifestou contra. O número de votos favoráveis já era suficiente para que as doações privadas a campanhas fossem consideradas inconstitucionais. Até o momento, não foi marcada nova data para o julgamento, embora o regimento interno do STF determine um prazo de 30 dias para que o processo seja devolvido ao plenário.

Diante da morosidade (ou seria má vontade?) de Mendes em retomar a ação, internautas viralizaram nas redes a hashtag #DevolveGilmar. Além da campanha, foram criados um abaixo-assinado, um evento no Facebook e até um cronômetro, que contabiliza em quantos dias o ministro está “atrasando” o andamento da Adin.

Por que acabar com o financiamento empresarial?

Atualmente, a lei eleitoral admite que campanhas contem com subsídios públicos e privados: políticos e partidos recebem dinheiro do Fundo Partidário (formado por recursos do Orçamento, multas, penalidades e doações), de pessoas físicas (até o limite de 10% de seu rendimento) ou de empresas (limitadas a 2% do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição).

Hoje, o Fundo Partidário, mantido pela União, repassa recursos para 32 partidos políticos. Para recebê-los, as agremiações precisam ter o registro no TSE e prestar contas regularmente perante a Justiça Eleitoral, conforme estabelece a Constituição e a Lei dos Partidos Políticos. De acordo com a última, 5% do total do Fundo deve ser dividido igualmente entre todas as legendas que cumprem os requisitos básicos, enquanto o restante é entregue segundo a proporção de votos obtidos para a Câmara dos Deputados.

Sobretudo depois que a presidenta Dilma Rousseff (PT) se comprometeu, em 2013, a reformar o sistema político, a pauta da proibição do financiamento empresarial de campanhas ganhou força. O cientista político João Roberto Lopes Pinto, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UniRio) e coordenador do Instituto Mais Democracia, explica porque ela é tão urgente. “O financiamento de empresas [a campanhas políticas] transforma o processo político em um negócio, com a lógica de captar recursos junto a empresas. Quando os partidos chegam ao poder, vão usar a máquina pública exatamente para beneficiar essas empresas em troca perpetuar essa mesma lógica. É realmente uma forma de deixar o sistema político refém do poder empresarial.”

Na avaliação de Pinto, entretanto, para democratizar e tornar mais justo o acesso às instâncias de poder, outras medidas são necessárias além de banir a destinação de recursos privados a campanhas eleitorais. “O problema não é só o financiamento de campanha, mas o financiamento dos partidos fora dos momentos eleitorais – isso não se fala. A proibição precisa atingir os momentos de não eleição”, argumenta. “O financiamento privado individual deve ser mantido, porque tem essa questão dos partidos buscarem adesão na sociedade. Mas tem que haver um limite para as doações”, adiciona, explicando que, caso tal limite não seja fixado, as empresas podem burlar as regras.

O cientista político condena a demora de Gilmar Mendes em devolver o processo. “Isso mostra a relação do STF com o poder econômico. É completamente insustentável a postura do Gilmar Mendes”, afirma. Pinto destaca, entretanto, que, para além do STF, deve-se olhar para a atual conjuntura do Congresso Nacional, que, segundo o professor, é “extremamente desfavorável”. “A eleição do Eduardo Cunha [como presidente da Câmara dos Deputados] revela a fragilidade do governo. Acho que muito dificilmente, com esse quadro, a reforma política avance. Até porque o governo estará envolvido em agendas mais delicadas – a CPI da Petrobras deve sair. Estou muito pessimista com esse quadro político. Tem que ver o que acontece nas ruas. O quadro não se altera, só se deteriora, por conta dessa fragilidade do governo e do próprio PT – a política econômica, a retração de direitos, o corte de gastos sociais”, analisa.

Fonte: Revista Fórum