Sete poemas de Claudio Daniel
Esta semana o caderno cultural do Vermelho, Prosa, Poesia e Arte apresenta sete orikis do poeta Claudio Daniel. Oriki é um poema ritual da tradição nagô-ioruba, cantado até hoje nos terreiros de umbanda e candomblé, celebrando deuses, reis e herois lendários.
Publicado 20/02/2015 15:03
Quem introduziu o oriki no Brasil foi Antonio Risério no livro Oriki Orixá, que apresenta aos leitores um ensaio crítico e traduções de alguns desses textos que pertencem à tradição oral. Outros poetas brasileiros contemporâneos também escreveram orikis, como Ricardo Corona, Fabiano Calixto e Frederico Barbosa.
Claudio Daniel procura manter elementos do oriki tradicional (nomes e epítetos dos orixás, mitos, atribuições e atributos), mas com uma crítica contemporânea, incorporando temas da situação política e social do país.
Veja sete orikis de Claudio Daniel:

Oriki de Exu
Lagunã corrige o corcunda.
Faz crescer a lepra do leproso.
Põe pimenta no cu do curioso.
Legbá ensina cobra a cantar.
Entorta aquilo que é reto,
endireita aquilo que é curvo.
Exu Melekê — o desordeiro
faz a noite virar dia e o dia
virar noite. Surra com açoite
o colunista da revista. Cega
o olho grande do tucano —
e zomba do piolho caolho.
Ibarabô vai-vem-revém.
Quente quente é a aguardente
do delinquente. Elegbará
com seu porrete potente
quebra todos os dentes
do entreguista privatista.
Bará tem falo de elefante.
É o farsante dos farsantes:
fode a mulher do deputado
hoje – e faz o filho ontem.
Agbô confunde o viajante
e o faz perder a sua rota.
Bará Melekê compra azeite
no mercado — levando peneira
volta sem derramar uma gota.
Larôye Exu! O desalmado
soma pedras e perdas na sina
do condenado. Sete Caveiras:
que seja suave minha sina
neste mundo tão contrariado.
Que seja suave – Larôye Exu!
2015

Oriki de Oxum
fêmea-das-águas
senhora do ijexá
dona das danças
desliza no vento
oxum ibu anyá:
ouve meu lamento
senhora da brisa
atende meu intento
sábia òbò mèjá
púbis-pensamento
que fere com ferro
e cura o ferimento.
com ofá e abebé
varre meu tormento
mãe de logunedé
vem neste momento:
ifá de bom agouro
não se contradiz
moça-verde-ouro
quero a flor-de-lis
moça-verde-ouro
dê-me quem eu quis
moça-verde-ouro
se acaso consentis
moça-verde-ouro
sem manha ou ardis
moça-verde-ouro
ao feroz fará feliz
moça-verde-ouro
Ekiti efon-imperatriz
ora iê iê ô!
2015
Oriki de Orunmilá
filho de olorum,
ibá olodumaré.
senhor do ifá,
sabe nomes
e caminhos.
ibá orunmilá
sabe todos
os destinos.
eliri ipin
cuida de mim
em meus
descaminhos.
orunmilá iboru
orunmilá iboya
orunmilá ibosheshe
2006 (revisado em 2015)
Oriki de Ogum
Ogum Oniré
pisca o olho
e cai um dedo
do mentiroso.
Pesca o peixe
sem ir ao rio.
Molamolá
— farejador
de farelos —
livra seus filhos
do abismo.
Ogum Oboró
viajou a Ará
e a incendiou.
Viajou a Irê
e a demoliu.
Senhor de Ifé,
livra seus filhos
do abismo.
Ogundelê
malha o ferro
e faz flechas
de flagelo.
Comedor de cães
fulmina o racista.
Ajokeopô
queima o sangue
do fascista.
Ogum Alakorô
golpeia o golpista
da revista.
Ferreiro-ferrador
forja a foice
forja o martelo.
Que não falte
o inhame.
Que não falte
massa de pão.
Pai do meu avô,
livra seus filhos
do abismo.
2015
Oriki de Xangô
Xangô Oluaxô —
o raio rubro
rasga o céu.
Obakossô
faz o forte fugir
de medo.
Alafim de Oió
não lute comigo.
Alafim de Oió
seja meu abrigo.
Oba Arainã
fala com boca
Oba Arainã
fala com olhos
Oba Arainã
fala com pele
Oba Arainã
fala com raio.
Leopardo de Oiá
não lute comigo.
Leopardo de Oiá
seja meu abrigo.
Alaganju
olho-de-chispa
mata o que mente
com pedras de raio.
Mastiga os juízes.
Castiga a mídia.
Oba Lubê
não lute comigo.
Oba Lubê
seja meu abrigo.
Oba Orungá dança alujá
queima a xota
da dondoca.
Oba Orungá dança alujá
queima o falo
do Bolsonaro.
Oba Orungá dança alujá
e saúda a beleza
que há no mundo.
Oba Orungá dança alujá
e saúda a beleza
que há no mundo.
Kawó Kabiesilé!
2015
Oriki de Oxossi
Akueran feiticeiro
sabe folha
que mata.
Akueran feiticeiro
sabe folha
que cura.
Akueran feiticeiro
fere o olho
do sol.
Akueran feiticeiro
mata a morte
de medo.
Akueran feiticeiro
faz janeiro
virar outubro.
Akueran feiticeiro
faz amarelo
virar vermelho.
Akueran feiticeiro
encanta a lua
com sua beleza.
Akueran feiticeiro
apavora a terra
com sua força.
Akueran feiticeiro
livra seus filhos
da fome.
Akueran feiticeiro
livra seus filhos
da usura.
Òké Aro! Arolé!
2015
Oriki de Iansã
Oiá vem
com o vento
vem e revém
mãe do meu
pensamento.
Faz a pedra
flutuar.
Escreve
na folha
palavras
de vento.
Mulher-leopardo
faz amor
amar
e medo
sentir medo.
Come pimenta
vermelha.
Dança com pés
vermelhos.
Olha com olhos
vermelhos –
como se
quebrasse
cabeças.
Mulher-leopardo
– aquela
que vem
dançando
aquela
que vem
dança-dançando
aquela
que vem
dança-noite-dançando.
Oiá ô!
Tira tripa
do mentiroso.
Fura olho
do preguiçoso.
Mãe do meu
pensamento
não me queime
com o sol
da sua mão.
Afefê Ikú Funã
aquela-
que carrega
o-chifre-
de-búfalo
e-dança-
no-cemitério-
coberta-
de-cinzas-
dissipa meu tormento.
Eparipá – Oiá ô!
2015