Lila Ripoll, a poetisa comunista

Lila Ripoll dedicou a vida a transformar em poesia a luta das mulheres por um mundo mais justo. Comunista engajada, foi ativa na militância politica e campanhas pacifistas, chegou a ser candidata a deputada pelo Partido Comunista do Brasil em 1950, no Rio Grande do Sul, onde nasceu e militou, mas não foi eleita.

Lila Ripoll - Reprodução

Seu livro novos Poemas lhe outorgou o Prêmio Neruda da Paz, em Praga, na Tchecoslováquia. Após o golpe militar Lila foi presa, mas padecia de um câncer em estado avançado e foi liberada rapidamente.

Sua poesia inspira mulheres que lutam por justiça e sonham com um mundo melhor.

Veja três poemas de Lila Ripoll:

Serão Triste

Oito horas. A sala bem vazia
A lareira está acesa. Mas que frio
aqui dentro. Que frio! Dia por dia,
esta chuva a descer, igual a um rio.
Coloco minha manta sobre os joelhos.
Os pés sobre a lareira. Olho. Penso.
Outra sala no fundo dos espelhos.
Uma mulher sentada. Tem um lenço
apertado entra as mãos. Chorou, talvez…
Ninguém. Tudo parado. Tudo morto.
Imagino uma história: “Era uma vez…”
O vulto lá do espelho está absorto”
Que pensará assim tão distraído?
O olhar está tão vago! Tão ausente!
Parece um pobre pássaro ferido
que perdeu o seu vôo, de repente.
O cristal que reflete a sua imagem
não mostra os pensamentos que ela tem.
O espelho é um lago triste, sem miragem,
dentro da sala fria e sem ninguém.
As brasas não aquecem quase nada.
Há um ambiente mortal de desconforto.
Nenhum ruído. Nem passos na calçada.
Tudo imóvel. Parado. Tudo morto!

Retrato

Chego junto do espelho. Olho meu rosto.
Retrato de uma moça sem beleza.
Dois grandes olhos tristes como agosto,
olhando para tudo com tristeza!
Pequeno rosto oval. Lábios fechados
para não revelar o meu segredo…
Os cabelos mostrando, sem cuidados,
Uns fios brancos que chegaram cedo.
A longa testa aberta, pensativa.
No meio um traço, leve, vertical,
indicando uma idéia muito viva
e os sérios pensamentos: — o meu mal!…
O corpo bem magrinho e pequenino.
— Sete palmos de altura, com certeza. —
Tamanho de qualquer guri menino
que a idade, a gente fica na incerteza!
E nada mais. A alma? Ninguém vê.
O coração? Coitado! está bem doente.
Não ama. Não odeia. Já não crê…
E a tudo vive alheio, indiferente!…
Meu retrato. Eis aí: Bem igualzinho.
O espelho é meu amigo. Nunca mente.
No meu quarto, ele é o móvel mais velhinho.
E sabe desde quando estou descrente!…

Correntes

Tantos e tantos caminhos
e os meus pés aqui parados
na negativa de andar.
Cansei a boca e o desejo,
desenrolei pensamentos,
pedi, pedi que seguissem
e eles ficaram imóveis,
como rocha junto ao mar.
Há correntes invisíveis
enroladas no meu corpo.
– Ninguém as pode partir”-
Fico parada às estradas,
encho a cabeça de sonhos,
atiro as mãos para a frente
mas nunca posso seguir.
Minha roupa às vezes toma
a forma exata de um barco
que morre por navegar.
Mas – ai! de mim! – faltam remos,
a água vem, vai e volta,
molha meus pés invisíveis
e as correntes não me deixam.
– Meu destino é renunciar. –
Os caminhos estão claros
e há um convite sem medidas…
– Ah! partir minhas correntes! –
Prisioneira do meu corpo,
sobem ondas de desejos,
descem ondas de esperanças –
vai e vem soturno e triste
como a água das vertentes!
Pode a Vida fechar todos
os caminhos que me abriu.
Meus pés não querem andar.
Falei sempre inutilmente…
Minha boca é um traço triste
que perdeu seu movimento
de pedir… sem alcançar…

Do Portal Vermelho