Mateus Fiorentini: Derrotar o golpismo, mais integração

Nos anos 1950 a UDN de Carlos Lacerda afirmava que o Brasil estava imerso em um mar de lama, corrupção e crise econômica. Essa ação resultou no suicídio de Vargas adiando o golpe militar em 10 anos. Nos anos 1960 a mesma direita udenista afirmava que o Brasil se tornara uma república sindical com um governo corrupto e incapaz de impulsionar a economia nacional.

Por Mateus Fiorentini*, no portal da UJS

Pintura sobre a integraçãoda América Latina - Reprodução

Como consequência desse enfrentamento vivemos 21 anos de um regime arbitrário e criminoso que nos impôs as mais duras restrições às liberdades democráticas. Qualquer semelhança com o atual momento não é mera coincidência. Assim, a estratégia do golpe contra governos democráticos por parte da direita e do imperialismo não é nova, a diferença está no fato de que os golpes já não se articulam com tanques e bombardeios a palácios presidenciais. Hoje as estratégias são muito mais complexas e sofisticadas.

A eleição de governos de caráter democrático, progressistas, patrióticos e de esquerda na América Latina nunca passou pela garganta do governo norte-americano. Nesses 16 anos de governos alternativos ao neoliberalismo iniciado com a eleição de Hugo Chávez para a presidência da Venezuela não tivemos descanso. Entretanto, o avanço do processo de integração foi impondo derrotas sucessivas a direita e ao governo dos EUA. A derrota da Alca na Cúpula das Américas de 2005 com a ação coordenada entre os presidentes Chávez, Lula e, sobretudo, Nestor Kirchner foi um marco desse novo momento. A criação da Alba, Unasul e Celac, além do fortalecimento do Mercosul a partir da entrada da Venezuela no bloco, são alguns exemplos.

Contudo, o imperialismo nunca desistiu da região que para eles sempre foi o seu quintal. Assim, promoveram inúmeras ações com o intuito de melar os processos de avanços na América Latina. Frente à derrota da Alca criaram a Aliança do Pacífico, conspiraram na tentativa de golpe na Venezuela de 2002, articularam um movimento separatista na Bolívia, depuseram Zelaya em Honduras e Lugo no Paraguai. No Brasil tentaram a desestabilização do governo Lula em 2005 assim como na Argentina. O fato é que ao longo desse processo a direita vem combinando de maneira articulada todas as formas de conspiração, enfrentamento, desestabilização e golpe contra os governos democráticos e progressistas da região. De toda forma não se poderia imaginar algo distinto.

Dessa maneira, a ação golpista atual consiste na articulação de três elementos principais: instabilidade econômica, desestabilização política e insatisfação popular e ação judicial. Do ponto de vista econômico a articulação entre setores da economia nacional e internacional, tendo como exemplo a redução abrupta do preço do barril do petróleo, buscam gerar um clima de caos na economia dos países da região.

Na Argentina buscam explorar os altos índices de inflação, no Brasil e Venezuela os preços dos combustíveis e derivados do petróleo e o setor energético são os alvos do momento. No caso especial desse último país a ação é verdadeiramente criminosa, pois setores privados da economia que ainda são responsáveis pela distribuição dos produtos importados, em especial alimentícios e de consumo básico tem desabastecido propositalmente o mercado, privando a população do acesso a bens elementares. Não foram poucas as vezes em que se encontraram depósitos abarrotados de produtos armazenados intencionalmente que deveriam estar em circulação no mercado. Vale ressaltar que isso não tem sido privilégio venezuelano uma vez que na Argentina a prática tem sido muito similar.

Do ponto de vista político os meios de comunicação e partidos de direita utilizam os supostos problemas econômicos, aliados a denúncias de corrupção para criar um clima de insatisfação popular e instabilidade política. Esse é em especial o caso brasileiro onde a direita busca destruir esse patrimônio nacional que é a Petrobras para servir aos seus interesses mesquinhos. No campo legal buscam articular os setores conservadores todavia presentes no judiciário de vários países com o objetivo de criar prerrogativa legal para julgar as e os Chefes de Estado.

Mais uma vez esses são os casos brasileiro e argentino, no primeiro utilizando a Petrobras e no argentino o caso Nisman. Nesse segundo país a ação beira ao ridículo. Todas as cortes às quais foram apresentadas a abertura do processo o rejeitaram devido, à falta de sustentação legal para tal fato. Pelo menos 3 juízes diferentes já emitiram essa opinião que não tem deixado os acusadores sequer vermelhos.

Já no caso venezuelano, devido ao fato de que o processo bolivariano impulsionou uma profunda reforma nas instituições do Estado essa ação está inviabilizada. Isso tem levado a direita venezuelana a índices de radicalidade cada vez maiores, como foi possível observar no recente golpe de Estado desarticulado por parte dos órgãos públicos de segurança desse país que comprovaram inclusive o envolvimento do prefeito de Caracas, este assinava um manifesto produzido para ser lido logo após a derrubada de Maduro.

Assim, a direita busca radicalizar o seu enfrentamento aos governos progressistas da região tendo em vista a recente onda de vitórias eleitorais do campo democrático e popular que conseguiu conter a ofensiva que os setores conservadores e pró-imperialismo vinham impondo. Esse novo ciclo de vitórias eleitorais do campo de esquerda abre a possibilidade de consolidação desse processo podendo ser o período mais longo na história desses países em que os setores mais conservadores da sociedade estarão fora do centro dos governos.

Ainda, podemos afirmar que o imperialismo sabe o que está em jogo no atual cenário político internacional. Com a criação do Banco de Desenvolvimento do Brics, ratificado nesta segunda-feira (9) pelo presidente da Rússia, Vladímir Putin, a região contará com um importante centro de fomento e financiamento à produção e obras de infra-estrutura. O banco terá o equivalente a U$ 100 bilhões e deve estar em atividade até o final deste ano e dentro de 4 a 5 anos em pleno funcionamento.

Da mesma forma na Nicarágua a construção do Gran Canal Interoceânico gerará um impacto definitivo na economia da América Latina, especialmente a centro-americana. Este canal, que teve as suas obras iniciadas nesse ano (2015) será um direto competidor do Canal do Panamá, tendo em vista que o nicaraguense terá capacidade para garantir a travessia de grandes navios de carga, o que não é possível hoje pelo panamenho, provocando uma redução de custos de produção substanciável.

Aliado a tudo isso devemos mencionar o Porto de Mariel, em Cuba. Esta obra, tão badalada no período eleitoral brasileiro, conta com capital brasileiro e visa transformar Cuba novamente na porta de entrada para a América Latina. Além do porto está sendo construída também uma Zona de Economia Especial (ZEL), um pólo industrial que permitirá condições de produção e escoamento muitíssimos favoráveis. Não à toa inúmeros empresários norte-americanos tem pressionado o presidente Obama para por fim ao bloqueio contra Cuba com medo de perder esse mercado para importantes países, destacadamente a China.

Ainda mais, sempre é bom lembrar que com a descoberta do petróleo da camada pré sal, somando-se à Venezuela que possui hoje as maiores reservas deste recurso natural do planeta, a América do Sul pode tornar-se a maior produtora de petróleo do mundo e naturalmente uma potência energética mundial. Assim, é possível afirmar que dentro de pouco tempo podemos viver uma mudança do eixo geopolítico mundial onde a América Latina joga um papel estratégico. Nesse sentido, podemos entender o desespero e o ataque da direita e do imperialismo em derrotar os governos progressistas da América Latina em especial Brasil, Argentina e Venezuela.

Por isso, devemos dizer que frente à contra-ofensiva da direita golpista a resposta deve ser mais integração. É impulsionando um novo ciclo integracionista entre os nossos países que enfrentaremos o imperialismo. Bem disse o vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera, na abertura do Foro de São Paulo em agosto de 2014: Estamos integrados do ponto de vista político, filosófico e ideológico mas é preciso avançar.

As obras de infra-estrutura anteriormente citadas são um bom exemplo, mas precisamos ir mais além. As respostas dadas por Dilma e Mujica ao criar um parque eólico conjunto e a possibilidade da saída ao mar concedida à Bolívia, de Cristina ao apresentar a derrota dos “Fundos Abutres”, de Maduro ao enfrentar o golpe e as sanções do governo norte-americano ao seu país são um sinal de que a saída para enfrentar a direita deve ser coordenada.

Contudo, muitos ainda são os desafios estruturais, sociais e regionais que temos para promover essa integração material e a solução dos problemas históricos que marcam as nossas sociedades. Devemos impulsionar a integração educacional, em especial das nossas universidades com o objetivo de produzir ciência e tecnologia bem como de conhecimento de maneira soberana e integrada. É o momento de unificar as pautas da esquerda latino-americana e dos movimentos sociais para derrotar o golpismo, defender a democracia e aprofundar a integração.

*Mateus Fiorentini é diretor de formação e solidariedade internacional da UJS e integra a equipe de colunistas da entidade