Juventude: mais escolas, menos prisões!
Já em 1949, a ONU indicava a idade de 18 anos como limite razoável para o início da imputabilidade. A Convenção Sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução n. 44 da ONU, de novembro de 1989, e ratificada pelo Brasil em 1990, também recomendou o limite de 18 anos.
Publicado 12/04/2015 10:48 | Editado 04/03/2020 16:48

Por Miranda Muniz *
''Já podaram seus momentos, desviaram seu destino,
Seu sorriso de menino, quantas vezes se escondeu
Mas renovasse a esperança, nova aurora, cada dia
E há que se cuidar do broto,
pra que a vida nos dê flor e fruto"
Coração de Estudante (Milton Nascimento)
Fazendo coro ao conluio midiático conservador, a Comissão de Constituição de Justiça da Câmara Federal (CCJ) aprovou recentemente a admissibilidade da PEC 171, que propõe a redução da maioridade penal para 16 anos.
Tal estelionato contra a juventude, como bem indica a numeração da famigerada PEC, ainda terá que percorrer um árduo percurso para ser consumado. Por tratar de Emenda à Constituição, terá que alcançar ''quorum qualificado'' (3/5 do número de parlamentares, ou seja, 49 votos no Senado e 308 na Câmara).
Além do mais, essa proposta tem o repúdio das entidades defensoras dos direitos das crianças e adolescentes, entidades ligadas aos magistrados, ao ministério público, aos direitos humanos, à OAB, à entidades juvenis (UNE, UBES, etc) e do Conselho Nacional de Psicologia.
Outra grande opositora desse estelionato é a Igreja Católica do Papa Francisco. Para o secretário-geral da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), Dom Leonardo Steiner, “o projeto que visa diminuir a maioridade penal é um projeto de morte contra crianças, adolescentes e jovens empobrecidos das periferias de nossas grandes cidades. Os adolescentes, em sua grande maioria, foram descartados, para usar uma expressão do Santo Padre (Papa Francisco), socialmente e, com a diminuição da maioridade penal, serão descartados em sua totalidade”.
Ao contrário do que decidiu a maioria da CCJ, a redução também é considerado por renomados juristas como ''flagrantemente inconstitucional'' por abolir direitos e garantias individuais, matérias insuscetível de abolição ou mutilação (''cláusula pétrea''). Portanto, mesmo se vitoriosa no parlamento, será questionada perante o Supremo Tribunal Federal quanto sua constitucionalidade.
São dois os argumentos principais dos que defendem a redução, como fórmula mágica para enfrentar a crescente onda de violência: a) que ''o jovem que comete delito não é punido'' e b) que, no mundo de hoje, ''o jovem tem suficiente informação para decidir o certo e o errado.''
Primeiro, sobre a dita ''impunidade do menor'', o sistema adotado no Estatuto da Criança e do Adolescente, ao contrário, prevê medidas sócio-educativas eficazes, reconhece a possibilidade de privação provisória de liberdade ao infrator, inclusive em parâmetros bastante abrangentes e oferece uma gama larga de alternativas de responsabilização, cuja mais grave impõe o internamento sem atividades externas (privação total da liberdade).
Segundo, quanto ao ''discernimento'' do jovem atual, é inegável que as informações chegam com mais velocidade. No entanto, o sistema de ''evolução das penas'' não passa pela questão do simples discernimento, mas sim, por conquista no campo dos direitos humanos. O renomado professor e juiz da Infância e Juventude no Rio Grande do Sul, João Batista Costa Saraiva, tem alertado que ''o velho Catecismo Romano já considerava os sete anos como a idade da razão, a partir da qual é possível cometer um pecado mortal. Esse raciocínio sobre o discernimento, levado às últimas consequências, pode chegar à conclusão de que uma criança, independentemente da idade que possua, deva ser submetida ao processo penal e, eventualmente, recolhida a um presídio, desde que seja capaz de distinguir o bem do mal.''
Ademais, estudos nos campos da psicologia e psiquiatria revelam que a chamada ''maturidade'' é um processo complexo: ''Na fase que vai dos 14 até os 21 anos, acontece a reorganização dos neurônios que se manifesta justamente nas áreas ligadas às emoções, ao discernimento e autocontrole'' (psiquiatra Jorge Gaba, Jornal do Comércio); ''É comum períodos de serenidade sucederem-se a outros de extrema fragilidade emocional com demonstração frequente de instabilidade… Sentem-se imortais, fortes, capazes de tudo… As emoções são contraditórias. Deprimem-se com facilidade, passando de um estado meditativo e infeliz para outro pleno de euforia…'' (Educar Sem Culpa, Tânia Zagury, pág. 82).
Também é preciso ressaltar que a opção política do nosso ordenamento jurídico em estabelecer inimputabilidade penal do menor de 18 anos data de 1940 (no Império e no início da República, essa condição era aos 14 anos) e está em sintonia com a evolução das conquistas da cidadania e direitos humanos, em âmbito mundial. Já em 1949, a ONU indicava a idade de 18 anos como limite razoável para o início da imputabilidade. A Convenção Sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução n. 44 da ONU, de novembro de 1989, e ratificada pelo Brasil em 1990, também recomendou o limite de 18 anos.
Ao contrário de posições preconceituosas e remédios ''que tendem a matar o paciente'', a solução para a violência, em especial a praticada com a participação de menores, foi muito bem sintetizada pela deputada Manuela D'Ávila (PCdoB-RS) ao afirmar que ''é preciso superar a contradição entre emprego x educação.'' Segundo Manuela, também é importante trabalhar outras medidas de inclusão, como ''garantir a permanência de estudantes na sala de aula – viabilizando transporte escolar, por exemplo – e reduzir o número de jovens em situação de violência.'' Para ela ''o Brasil deve se desenvolver de maneira soberana'' para entrar nesse rumo de mudanças. ''Temos que fazer com que a economia cresça para viabilizar investimentos na juventude'', pondera a deputada comunista.
• MIRANDA MUNIZ – Agrônomo, Bacharel em Direito, Oficial de Justiça Avaliador Federal dirigente da CTB-MT e do PCdoB-MT