Dino: Brasil quer desenvolvimento e políticas sociais, não golpismo
Em entrevista ao Portal Vermelho, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), fez uma análise da conjuntura política nacional, se posicionou frente a temas como maioridade penal e reforma política, além de apontar os desafios de seu governo depois de 100 dias de mandato.
Por Dayane Santos
Publicado 14/04/2015 17:58
O governador, que é formado em Direito e foi juiz federal por 14 anos, criticou a onda golpista da oposição. “Como governador, espero que essa onda reacionária cesse e possamos voltar à luta política”, disse ele, destacando que tal intento deve ser enfrentado com uma agenda “que garanta a continuidade das reformas democráticas no Brasil, com o aprofundamento das políticas sociais, das garantias de direito do povo e, evidentemente, com o combate à corrupção”.
Quando deputado, Flávio Dino foi autor de um dos projetos de reforma política. Para ele, o ponto crucial é o financiamento de campanha. “Considero e sempre considerei que precisamos rever as regras de financiamento de campanha. Há vários caminhos para isso inspirados em outras nações do mundo, para que tenhamos eleições mais limpas, mais igualitárias e possamos prevenir essa autêntica máquina de fichas sujas que é o atual sistema político brasileiro”, salientou o governador do Maranhão.
Confira a íntegra da entrevista:
Governador Flávio Dino, na semana passada seu governo completou 100 dias. Foram concedidas diversas entrevistas fazendo um balanço de seu mandato. Pergunto: qual foi a herança que recebeu ao assumir o governo do Estado do Maranhão?
Nós tivemos um grande desafio inicial, tendo em vista as dificuldades fiscais que o país atravessa agudizadas enormemente no Maranhão por conta do passado em que havia muita desorganização administrativa. Após a derrota eleitoral de outubro, o grupo então dominante se esforçou para criar dificuldades ao início do nosso governo, de modo que nós herdamos R$ 1,3 bilhão em dívidas e apenas R$ 24 milhões em caixa. Esse período foi marcado pelo desafio de evitar o colapso dos serviços públicos, coisa que nós conseguimos, e ao mesmo tempo apresentar resultados.
Já no seu discurso de posse encaminhou uma série de medidas demonstrando que o foco do seu mandato seria a melhoria da qualidade de vida do povo maranhense. Agora, dominando as finanças do Estado, há alguma alteração nessa diretriz?
Estamos concretizando o conjunto de medidas que anunciamos no dia 1º de janeiro. Estamos preparando as primeiras eleições diretas para diretores de escolas em nosso estado. Já lançamos o programa Mais Asfalto, que vem beneficiando várias cidades maranhenses. O plano Mais IDH está funcionando com um mutirão de cidadania em 19 cidades entre aquelas mais pobres, com mais de 40 mil atendimentos na área de direitos civis e também de saúde. Estamos finalizando um concurso de projetos na área de saúde para melhorar o funcionamento dos hospitais. Aumentamos a remuneração dos professores em 13% e contratamos outros mil. Chamamos mil novos policiais. Aprovamos o projeto Carteira Nacional de Habilitação Jovem, para dois mil jovens que não podem pagar a sua CNH. Aprovamos a lei do 13º do Bolsa Família. Estamos dando cumprimento aos compromissos de campanha e, conforme foi sublinhado no dia 1º de janeiro, com a grande meta de democratizar o poder, a riqueza e o conhecimento.
O país vive um momento político muito peculiar. A polarização eleitoral se manteve mesmo após mais de três meses da posse da presidenta Dilma. Além disso, surgem vozes do além pedindo a ‘intervenção militar’ e setores mais conservadores se movimentam no caminho golpista contra o governo eleito da presidenta. Como o governador avalia essa situação?
É preciso distinguir aquilo que é o exercício legítimo da oposição, inerente ao pluralismo político, valor pela qual o nosso partido, o PCdoB, muito lutou, a plena democracia política, o contraditório e o debate público. Tudo isso é muito importante e confere vitalidade à democracia. Outra coisa é transformar o exercício desse direito em aventuras que acabam remetendo a um passado tenebroso da vida brasileira. É exatamente isso que, infelizmente, tem sido hegemônico nesses movimentos de início do mandato da presidenta Dilma.
No que se refere às manifestações de rua há uma predominância de teses e inverdades insustentáveis do ponto de vista constitucional. Com muita estranheza vejo falar, por exemplo, de “intervenção militar constitucional” o que não existe na Constituição. A intervenção militar com esse sentido de derrubar um presidente eleito pelo povo seria visceralmente inconstitucional. Ao mesmo tempo, com essas inspirações saudosistas como se o Brasil vivesse melhor dentro da ditadura em que assassinatos, torturas, perseguições, censura, cerceamento do direito de organização do povo, a manifestação nas ruas, a liberdade sindical eram tão frequentes.
Como democrata e integrante de um partido que foi tão duramente perseguido na ditadura, tenho feito enfaticamente observações críticas ao crescimento de uma onda conservadora no pensamento político brasileiro, que deve ser enfrentada a partir de um programa que garanta a continuidade das reformas democráticas no Brasil, com o aprofundamento das políticas sociais, das garantias de direito do povo e, evidentemente, com o combate à corrupção. Não há antinomia, não há contradição entre combater a corrupção e lutar por justiça social. Não há dualidade em relação a isso.
Como governador, eu espero que essa onda reacionária cesse e possamos voltar à luta política, o que é normal. Existe um governo que luta com muitas dificuldades e apresenta aquilo que considera mais adequado nesse momento de muita dificuldade econômica internacional. Porém, um governo legítimo. Temos a oposição, igualmente legítima, lutando por aquilo que acredita. Com isso nós possamos ter um clima político institucional que ajude o país a enfrentar os seus problemas.
O senhor tem liderado um movimento de governadores do Nordeste em defesa da constitucionalidade do o mandato da presidenta…
Temos feito uma articulação frequente dos nove governadores do Nordeste. Esta semana faremos um movimento no Congresso Nacional em torno da agenda que nós consideramos correta, que é a agenda do desenvolvimento, da continuidade das políticas sociais, contra aventuras golpistas.
E, ao mesmo tempo, procurado caminhos que ajudem na superação da crise econômica. Na última reunião que fizemos entregamos um documento à presidenta Dilma defendendo cinco pontos, entre os quais, a taxação de grandes fortunas. Nós consideramos ser uma tese central para que haja mais recursos para a saúde brasileira e, ao mesmo tempo, politicamente, também os mais ricos e poderosos devem contribuir nessa momentânea crise econômica para que haja continuidade dos serviços públicos. Esperamos que o Congresso Nacional ou o Supremo Tribunal Federal façam esse debate e ajudem nessa e em outras medidas para o desenvolvimento do Nordeste.
O senhor foi deputado federal pelo seu estado e um dos redatores do projeto de reforma política, tema considerado fundamental para o país avançar no combate à corrupção. Na sua avaliação, quais são os pontos fundamentais que o parlamento deve abordar para que o Brasil tenha uma reforma política que consolide a democracia e atenda aos anseios da população?
Todos esses casos de corrupção e escândalos na política das últimas décadas, mesmo em termos internacionais, tem a mesma origem: a problemática do financiamento de campanha. Portanto, só há um ponto, ao meu ver, que é imprescindível e deve liderar todo o debate sobre a reforma política que é exatamente esse: quem paga a conta da democracia e, portanto, como se dá a relação entre o poder político e o poder econômico.
Nós estamos vendo que longe da corrupção ser algo limitado, adstrito ao terreno da política, temos uma implicação, uma ligação íntima entre o mundo empresarial, o poder financeiro, o poder econômico, e a corrupção de agentes públicos. Basta ver essa terrível situação revelada pela Operação Zelotes, em que empresas corrompiam agentes públicos para ter diminuído déficits fiscais. Exatamente nessa relação entre o mundo empresarial, o poder econômico, e a política é que nós encontramos a raiz de todos os problemas que estamos vivenciando neste momento no caso da Petrobras e outros.
Considero, e sempre considerei, que precisamos rever as regras de financiamento de campanha. Há vários caminhos para isso inspirados em outras nações do mundo, para que tenhamos eleições mais limpas, mais igualitárias e possamos prevenir essa autêntica máquina de fichas sujas que é o atual sistema político brasileiro.
A redução da maioridade penal também está sendo discutida. Como jurista o que pensa sobre o assunto?
E primeiro lugar é importante lembrar que os constituintes de 1987 e 1988 decidiram essa questão muito claramente acerca da idade da responsabilidade penal plena ser no Brasil de 18 anos. Considero, inclusive, que isso é cláusula pétrea, ou seja, não pode ser modificada pelo Congresso Nacional a não ser que haja uma nova Constituinte. Defendi isso nos quatro anos que estive no Congresso e essa era a compreensão dominante, tanto é que isso nunca foi aprovado pela Câmara porque se considerava corretamente que há um limite que impede esse debate nos termos do artigo 60º da Constituição.
De outro lado, temos um enorme equívoco quando se compara a realidade brasileira com outros países do mundo em que se afirma que a responsabilidade penal brasileira está desalinhada com a mundial. Não está. A imensa maioria dos países do mundo ocidental pratica 18 anos.
É importante lembrar também que quando se fala que em outros países jovens de 14 ou 15 anos são julgados isso também ocorre no Brasil. A responsabilidade penal começa aos 12 anos, que é o que o Estatuto da Criança e do Adolescente determina. Em relação a outros países do mundo nós temos um sistema mais rigoroso. De 12 aos 18 anos existe uma responsabilidade, que é chamada de ato infracional. Crianças e adolescentes são julgados e condenados a pena de privação de liberdade, chamada de medida sócio-educativa, mas na prática é similar a uma prisão.
Temos um sistema bastante rigoroso. O que é preciso, na verdade, é ser cumprido no que se refere ao Estatuto da Criança e do Adolescente, às medidas protetivas e sócio-educativas e aquelas punições que forem eventualmente necessárias, a partir dos 18 anos, que nós possamos progressivamente qualificar o sistema penitenciário brasileiro.
A proposta é inconstitucional e traz um falso debate. O sistema brasileiro atual já é muito rigoroso e correspondente a média internacional. Basta cumpri-lo e não fazer um falso debate como se isso fosse diminuir a criminalidade no país.
Para encerrar, o que os maranhenses podem esperar para os próximos 100 dias de mandato de Flávio Dino?
Um governo coerente, que cumpre o programa eleito nas urnas, portanto, um governo democrático. Um governo que ouve a sociedade. Temos feito isso em relação a todos os setores sociais, desde os empresários organizados no conselho empresarial que instalamos, os movimentos sociais, os comitês municipais do plano Mais IDH que são instâncias de mobilização social para que possamos melhorar os indicadores maranhenses. Um governo popular que tem uma clara opção pelos mais pobres. Um governo que acredita na justiça social e um governo honesto que garante que essa tradição das últimas décadas do Maranhão de corrupção, improbidade, desonestidade fique no passado e os recursos públicos possam chegar a quem mais precisa.
Do Portal Vermelho