África do Sul rejeita violência xenófoba

O governo e as principais forças políticas da África do Sul condenaram os ataques contra imigrantes ocorridos no país de Nelson Mandela.

Por Carlos Lopes Pereira, no Jornal Avante!

Xenofobia na África do Sul

A onda de agressões e pilhagens, em Durban e Johanesburgo, provocou sete mortos, milhares de deslocados e centenas de repatriados para países como Zimbabué, Malawi e Moçambique.

Devido à violência, o presidente Jacob Zuma cancelou uma viagem à Indonésia para participar da cúpula dos 60 anos da Conferência de Bandung, um marco na amizade afro-asiática e na luta emancipadora dos povos do Terceiro Mundo. O dirigente sul-africano deslocou-se a Durban, onde visitou um improvisado centro de abrigo para as vítimas da xenofobia. Prometeu repor a ordem e assegurou que os imigrantes são bem-vindos.

A calma regressou depois da intervenção da polícia, que efetuou centenas de prisões. O ministro do Interior, Malusi Gigaba, garantiu que os desordeiros serão punidos com “o rigor da lei”. Por seu turno, a ministra da Defesa, Nosiviwe Mapisa-Nqakula, anunciou que o exército vai ajudar a patrulhar Alexander, em Joanesburgo.

Os atos de banditismo começaram após um discurso, no final de março, do rei dos zulus, Goodwill Zwelithini, que convidou os “estrangeiros” a fazer as malas e deixar o país. O chefe tradicional desmentiu posteriormente as acusações, explicou que fora mal interpretado e afirmou que “a violência contra os nossos irmãos e irmãs é uma vergonha”.

Já as forças políticas no poder na África do Sul condenaram de forma veemente os ataques contra cidadãos estrangeiros e o saque dos seus bens.

O Partido Comunista Sul-africano (SACP) e o Congresso Sul-africano das Uniões de Sindicatos, a COSATU, aliados do CNA no governo, há duas décadas, consideraram que não há justificativa para tais atos, retrógrados e criminosos, e que as autoridades devem pôr termo imediato à barbárie. Exortaram as suas estruturas a continuar a lutar em defesa das relações pacíficas entre as diferentes comunidades. “Todos os trabalhadores devem ser respeitados e têm direitos iguais, independentemente da sua nacionalidade”, reafirmaram.

A nação arco-íris

Em Moçambique, a xenofobia na África do Sul foi sentida. Três moçambicanos foram assassinados, muitos foram forçados a refugiar-se em centros de acolhimento e centenas deles regressaram já ao país natal.

Há décadas que milhares de moçambicanos emigram para a África do Sul para trabalhar nas minas – em geral condições muito duras – e, mais recentemente, na agricultura.

Em Maputo realizou-se uma marcha pacífica protestando contra os ataques aos imigrantes. O primeiro-ministro, Agostinho do Rosário, manifestou solidariedade com os conterrâneos perseguidos e apelou à calma. Mesmo assim, registaram-se incidentes na vila fronteiriça de Ressano Garcia, no distrito de Moamba, quando moçambicanos expulsaram trabalhadores sul-africanos e tentaram interromper o trânsito na estrada entre Moçambique e a África do Sul. Outros dois ou três casos de retaliação contra técnicos sul-africanos foram registrados nas províncias de Inhambane e de Tete.

O escritor Mia Couto deu expressão aos sentimentos de tristeza e indignação dos moçambicanos, publicando uma carta aberta ao presidente Jacob Zuma.

Recordou a ajuda de Moçambique, na segunda metade dos anos 70 e na década de 80 do século passado, aos combatentes do CNA, durante a guerra contra o regime racista do apartheid. Lembrou que, talvez mais do que qualquer outra nação vizinha, Moçambique pagou caro esse apoio à libertação da África do Sul: “A frágil economia moçambicana foi golpeada. O território foi invadido e bombardeado. Morreram moçambicanos em defesa dos seus irmãos do outro lado da fronteira. E porquê? É que para nós não havia fronteira, não havia nacionalidade. Éramos, uns e outros, irmãos de uma mesma causa e quando tombou o apartheid a nossa festa foi a mesma, de um e de outro lado da fronteira”.

Antes de exigir medidas para que “nunca mais se repitam estes criminosos eventos”, Mia Couto escreve: “A xenofobia que se manifesta hoje na África do Sul não é apenas um atentado bárbaro e cobarde contra os ‘outros’. É uma agressão contra a própria África do Sul. É um atentado contra a rainbow nation [nação arco-íris] que os sul-africanos orgulhosamente proclamaram há uma dezena de anos. Alguns sul-africanos estão a manchar o nome da sua pátria. Estão a atacar o sentimento de gratidão e solidariedade entre as nações e os povos. É triste que o seu país seja hoje notícia em todo o mundo por tão desumanas razões”.