“Não temos perspectiva, não há como evoluir”, diz professora de SP

A professora da rede estadual de ensino de São Paulo, Aline Rodrigues, conversou com exclusividade com o Portal Vermelho e contou como está a situação dos profissionais em greve. Nesta sexta-feira (24) completam 43 dias greve e, segundo ela, a mobilização cresce diariamente porque o colapso no sistema educacional chegou ao limite. “Não temos perspectiva, não há como evoluir, tem muita humilhação contra os professores”, denuncia.

Por Mariana Serafini

Greve dos professores de SP - Caio Mathias

O cenário é desolador: salas de aula com mais de 80 alunos, todos adolescentes e com pouca perspectiva; mais de 3 mil turmas fechadas; não há plano de carreira efetivo; os salários são baixíssimos; o vale alimentação, de tão baixo já foi até apelidado pelos professores de “vale coxinha”, porque é praticamente impossível fazer uma refeição com o valor depositado diariamente; falta de estrutura básica, como produtos de limpeza e até mesmo água assolam muitas escolas; demissão de mais de 20 mil professores; rotatividade com contratos temporários e não contratação de aprovados em concursos.

Não são poucos os motivos que levam os professores a ocupar as ruas da capital paulista, religiosamente, todas as sextas-feiras a tarde para uma nova assembleia da categoria. De acordo com Aline, a adesão tem crescido muito porque, apesar das dificuldades de se manter a greve, os professores entendem que não há mais possibilidade de continuar sem que as reivindicações sejam atendidas. “Os grevistas não vão receber o salário referente ao período da greve, só vamos receber depois que tiver a reposição de aulas, e mesmo assim tem muito professor que tem filhos, paga aluguel, e entrara na greve porque entende que isso atinge diretamente a vida dele, é uma situação muito complicada manter a greve, mas está tão difícil a sala de aula com essas condições que a gente prefere arriscar e continuar”, afirma Aline.


Foto: Caio Mathias 
 

Mais da metade dos professores já aderiram à paralisação. Algumas escolas estão fechadas, outras instituições têm aulas parciais. Aline denuncia que a Secretaria Estadual de Educação orienta as escolas a segurarem os alunos mesmo sem aula, para não “evidenciar” a greve. Dessa forma, muitos são “mantidos no improviso”, com filmes ou atividades de recreação. “Tem tido muito assédio moral das diretorias contra os professores, principalmente os mais vulneráveis, essa é uma orientação do Governo do Estado”, conta.

De acordo com Aline, este ano a greve tem uma característica nova: muitas famílias têm apoiado a movimentação grevista. “A gente vê muitos alunos e muitos pais também nas manifestações porque há uma identificação com a luta, eles se sentem representados, percebem que isso mexe na vida deles também”. A média de participação popular em cada passeata na capital é de 60 mil pessoas, entre elas, famílias e outros apoiadores do movimento. “Mas o que a gente percebe é que a grande mídia tem um posicionamento fechado com o Governo do Estado porque eles criminalizam o movimento, tentam jogar a população contra”.


Foto: Caio Mathias

As reivindicações são muito objetivas: os professores pedem 75% de reajuste salarial que deve ser gradual até 2020, o fim do corte de verbas básicas destinada à manutenção da limpeza das escolas, reabertura de salas para manter um número razoável de alunos em cada turma, aumento do vale-refeição e pagamento para todos os professores, redução das horas aula de 32 para 26 – como garante o Plano Nacional de Educação. Há ainda a questão do bônus, que os professores exigem que seja incorporado como um reajuste e beneficie toda a categoria.

Em reunião realizada nesta quinta-feira (23) com o Governo do Estado, a primeira desde o início da greve, o governador Geraldo Alckmin não apresentou nenhuma proposta e não concordou em ceder em nenhum dos pontos dos professores. “Ele pediu para que nós voltássemos para a sala de aula para ter a possibilidade de uma nova negociação, não vamos voltar porque não dá para acreditar em alguém que no começo falou até que não existia greve”, explica Aline.

Um projeto político proposital para sucatear a educação

Professora há dez anos, Aline leciona no Colégio Estadual Jornalista Roberto Marinho, em Campinas, cuja representação oficial na Apeoesp (sindicato da categoria) é feita por ela. Sempre esteve presente na luta da categoria contra o sucateamento na educação, no entanto, já são escassas as esperanças que a mantém na profissão. “Muitas vezes eu penso em sair, o único estímulo que a gente têm é para abandonar a profissão”.


Foto: Caio Mathias
 

O Plano de Carreira da categoria segue uma lógica complexa onde, ao subir de nível, o professor retrocede em direitos. Um exemplo claro aconteceu com Aline que, depois de uma série de especializações, subiu um nível, recebeu um aumento salarial e perdeu o direito ao vale-alimentação. “O aumento que teve no meu salário é a mesma quantia do vale coxinha que eu recebia, então deu na mesma, a gente não tem incentivo para estudar, para evoluir. Hoje um professor entra ganhando em torno de R$1900, depois que ele já fez mestrado, várias especializações, cresceu muito na carreira, o teto do salário não chega a R$ 4 mil”, explica.

Para Aline, o corte de verbas na educação não se trata de uma “falha” do Governo, ou um reajuste necessário, mas sim de um projeto proposital para manter um sistema precário que não forma os alunos para evoluírem em sociedade. “Muitos alunos chegam no ensino médio sem saber ler um texto, sem saber falar sobre o que leu, quando terminarem a escola, se é que terminam, vão ter os empregos com a menor remuneração, parece um projeto político proposital para manter essa estrutura de sociedade. Não é à toa que nas faculdades públicas estão os alunos que estudaram nas escolas particulares”, reflete.

Na tarde desta sexta-feira (24) os professores se reúnem novamente em assembleia, ao que tudo indica, a greve vai continuar.

Do Portal Vermelho