Gerson Brandão, o brasileiro que coordena ajuda humanitária na ONU

Aos 41 anos, dos quais cerca de 20 morando no exterior, Gerson Brandão tem se destacado no desenvolvimento de trabalhos de ajuda humanitária no mundo todo. Mesmo pouco conhecido no Brasil, o êxito deste carioca tem elevado o nome do país nas relações internacionais, além de ajudar milhares de pessoas que passam por situações complexas.

Gerson Brandão, trabalha na ONU

Há 10 anos na Organização das Nações Unidas (ONU), o brasileiro coordena atividades de Urgência e Pós-urgência. Fluente em inglês, espanhol, francês, alemão e swahili, ele já viajou por mais de 70 países atuando com Missões de Manutenção da Paz, desenvolvimento social, proteção de civis em zonas de conflito, desarmamento e reintegração de ex-combatentes e na elaboração de planos de contingência.

Atualmente, ele não possui nenhum projeto específico de trabalho no Brasil, mas, eventualmente, é convidado a dar palestras em cidades como Rio de Janeiro e Salvador sobre a gestão de desastres.

“Gostaria que o Brasil viesse para o mundo mais do que eu voltasse para o Brasil. Eu acho que o mundo precisa da gente”, diz Gerson, que também possui mestrados em Gestão de Recursos Humanos, pela Universidade de Liverpool, e em Direitos Humanos e Cooperação Internacional, pela Universidade de Estrasburgo.

Portal Vermelho: Como surgiu a ONU em sua vida?

Gerson Brandão: É curioso. Eu estudava direito em Guarulhos (SP) e nessa época surgiu a oportunidade de fazer um curso de inglês, um curso de direito internacional em Londres, na Inglaterra. A ideia era passar seis meses lá. Então, eu viajei e nunca mais voltei. Depois de Londres eu fui para a França fazer um curso de francês. Na França, apareceu uma oportunidade para trabalhar com os Médicos do Mundo, em Angola. Na época, eles precisavam de alguém que falasse português para fazer a administração e a gestão da organização em território angolano. Uma coisa levou a outra, de lá eu fui para outro país. Um dia, eu vi um anúncio de que a ONU precisava de alguém para trabalhar no Congo, justamente em um lugar onde eu havia estado e onde eu possuía boas relações com as pessoas e organizações locais. Mandei minha candidatura para a ONU e fui selecionado.

Qual trabalho você está desenvolvendo atualmente?

Tem um comitê entre agências. Eu trabalho no escritório de Coordenação de Ajuda Humanitária da ONU. O meu trabalho é coordenar as diversas atividades de várias agências de ajuda humanitária. Agências da ONU como o Programa Mundial de Alimentos, Unicef, Alto Comissariado para Refugiados, tanto quanto ONGs como Médicos Sem Fronteira, Oxfam. A ideia é primeiro fazer um monitoramento dos países nos quais existe uma crise ou com potencial para uma crise e tentar coordenar a resposta. Então, uma ideia de efetividade na resposta é poder antecipar os riscos de desastres e possíveis emergências para coordenador melhor e fazer uma transição da resposta de emergência para recuperação e reconstrução dos locais.

Você teve alguma dificuldade por ser negro ou por ser brasileiro?

O racismo infelizmente existe, em qualquer lugar e infelizmente a ONU não é exceção. No meu caso, o fato de ser brasileiro acho que ajudou. Existe mais discriminação do que racismo, eu diria. Algumas nacionalidades possuem menos oportunidades do que outras dentro da organização. O fato de ser brasileiro abriu muitas portas por sermos um país com tradição de conciliação ao invés de ter uma história de agressão, mas por outro lado, os países que possuem mais influência na ONU tentam ocupar postos chaves. Então, existe uma questão que não está necessariamente ligada ao racismo, mas muito ligada a luta de poder entre grandes países e pequenos países.

Nesta sua carreira internacional, na ONU, o que destacaria?

O reconhecimento que as pessoas têm pelo nosso trabalho é algo que de verdade emociona. Você pode estar em pequenos vilarejos de países que sofreram com uma guerra, mas quando as pessoas veem a nossa chegada, de uma organização internacional, que seja a ONU ou uma ONG, o acolhimento, em geral, é bem positivo. É gratificante ir em locais em que as pessoas não possuem nada e o pouco que elas têm querem oferecer como forma de agradecer pela sua presença. Me lembro de estar em lugares que quando você chega para uma visita, às vezes, para fazer uma avaliação, ou, às vezes, para fazer uma distribuição, e, ao final, as pessoas te presenteiam. Isso, de verdade, é até emocionante. Quando você faz este tipo de trabalho você perde os motivos que tem para reclamar da vida já que encontra com pessoas em situações tão difíceis e apesar da dificuldade que eles vivem ainda têm força para olhar para a frente e para tentar continuar. E isso te motiva. Essas pessoas têm muito menos e não reclamam da vida como nós reclamamos. Isso faz ver como somos privilegiados.

Como você analisa a sua trajetória de sucesso neste trabalho de ajuda humanitária internacional?

Antes de mais nada é uma questão de vocação. Para fazer este tipo de trabalho é preciso estar dedicado a isso porque é um trabalho difícil, fora de casa, vivendo em locais nos quais o conforto, não raro, é diferente do que temos em casa e você acaba passando uma vida de privações. A partir do momento que você se enquadra neste perfil, que você tem vontade de fazer este tipo de trabalho e que você acredita que a solidariedade é um princípio a ser partilhado, se alguém me perguntasse quais os primeiros passos para essa carreira eu diria que é falar idiomas. Como eu disse antes, o fato de ser brasileiro também nos abre muitas portas. Conversando com um amigo, por exemplo, sobre quem enviar para o Iêmen, nós tínhamos cuidado com a nacionalidade, mas nunca existem restrições aos brasileiros, muito pelo contrário, é uma nacionalidade que é sempre bem vista. Formar uma família também é complicado. Eu conheci minha esposa há sete anos no Sri Lanka e destes sete anos, se for contar, passamos dois anos juntos, muitas vezes nos víamos uma vez por mês, uma vez a cada seis semanas porque nós dois fazemos o mesmo trabalho e é difícil conciliar os lugares onde deveríamos trabalhar, como eu trabalho principalmente com emergência são lugares complicados para levar meu filho como o Iêmen, o Iraque ou a Síria.

Por Tayguara Ribeiro, do Portal Vermelho