A "Desforma" Política

Assim, prevalecendo o citado relatório, ao invés de uma “reforma política” para ampliar a democracia, teremos uma contrarreforma, uma verdadeira “desforma” política!

reforma política radio - Reprodução

 • Miranda Muniz

Se depender do relator da Comissão Especial da Reforma Política da Câmara dos Deputados, Marcelo de Castro (PMDB-PI), a legislação político-partidária ficará pior do que a existente hoje e, se aprovada, será um verdadeiro “tapa na cara” dos milhares de manifestantes que saíram às ruas denunciando os políticos “que não me representam” e exigindo alterações radicais na atual forma de representação e no mecanismo de eleição.

Ao invés de apresentar uma proposta de reforma política para fortalecer a democracia, ampliar a participação de segmentos que não têm espaço na vida política, diminuir a interferência do poder econômico e da mídia, incluir mais mulheres e jovens no processo político e manter o pluralismo político-partidário, o relatório caminha em direção contrária.

O famigerado financiamento empresarial, porta de entrada principal da corrupção, é mantido praticamente intacto, afrontando as reivindicações apresentadas pelos movimentos sociais, OAB, CNBB e as centrais sindicais.

Segundo o deputado Daniel Almeida (PCdoB-Ba), 80% das campanhas nas eleições de 2014 foram financiadas por empresas e não mais do que 20 empresas financiaram quase todos esses valores. “Óbvio que não são financiamentos. Na verdade essas empresas estão pensando em investir. Em buscar retorno. Empresa se organiza buscando negócio, caso contrário, não doaria para todos os candidatos. Portanto, é fundamental acabar com o financiamento empresarial, pois seria um grande passo a ser dado na mudança do modelo político prevalecente hoje”.

Ainda sobre o financiamento empresarial, 6 dos 11 ministros do STF já manifestaram pela sua inconstitucionalidade, em ADIN proposta pela OAB, sendo que esse julgamento ainda não foi concluído devido a uma “manobra” do ministro Gilmar Mendes, o qual pediu “vistas” e já dura mais de um ano sem devolver o processo, numa chicana vergonhosa e inaceitável.

O Relatório também acaba com a eleição proporcional, a qual permite uma maior pluralidade partidária, instituindo o voto majoritário para as eleições parlamentares, através da figura escrota e alienígena do tal “distritão”, modelo que, em última instância, só favorece aos grandes partidos e aos candidatos endinheirados. É considerado tão ruim e ultrapassado que só é adotado somente pelo Afeganistão e pela Jordânia.

O relator ainda “ressuscita” a chamada “cláusula de barreira”, a qual estabelece que apenas os partidos que alcançarem 2% de votos para a Câmara Federal teriam acesso a tempo de rádio e TV e à verba do fundo partidário, num total desrespeito à liberdade e o pluralismo político. É bom que se diga que a “clausula de barreira” já havia sido considerada inconstitucional pela unanimidade dos ministros do Supremo Tribunal Federal, em julgamento ocorrido em 2006.

Outra “inovação” do relator está expressa na unificação de todas as eleições (de vereador a Presidente da República) e a alteração do mandato de quatro para cinco anos, sem reeleição e o mandato do senador de 8 para 10 anos, quase retornando ao tempo do Império onde o senador tinham mandato vitalício.

“A eleição é um momento de exercício da cidadania. É uma festa cívica da democracia. É a possibilidade de encontrar novos caminhos. Fazer a eleição de cinco em cinco, dar mandato a senador de 10 anos é retirar essa possibilidade do exercício do voto ser um instrumento de contestação e mudança de rumos”, destacou também o deputado comunista Daniel Almeida.

Além disso, o relatório não contemplou nenhuma das propostas apresentadas visando corrigir a defasagem na representação feminina nos parlamentos que, mesmo representando mais de 50% do eleitorado, ocupa apenas 10% das vagas.

Assim, prevalecendo o citado relatório, ao invés de uma “reforma política” para ampliar a democracia, teremos uma contrarreforma, uma verdadeira “desforma” política!

Felizmente, muitas dessas propostas, por alterar artigos da Constituição, só poderão ser implantadas através de Emendas Constitucionais, cuja aprovação depende de quórum qualificado (apoio de 3/5 do total de deputados e senadores). Ou seja, de um amplo consenso, o que parece não ser o caso do Relatório do deputado Marcelo de Castro.

• Miranda Muniz – agrônomo, bacharel em direito, oficial de justiça-avaliador federal, dirigente da CTB/MT e do PCdoB-MT