Baltimore: ecos da revolta contra o racismo

No rescaldo da revolta antirracista que, há exatamente um mês, eclodiu em Baltimore, no Estado de Maryland, EUA, fez-se enfim usança, entre os taquígrafos do regime, mostrar em que estado ficou a cidade. Aí está Baltimore, para que todo o mundo a veja: pilhada por “violentos rufias”, destruída por “saqueadores”, partida por barras de ferro, descarnada até ao osso por “bandos de gatunos”.

Manifestação em Baltimore

A esta ignóbil miséria de casas vazias, lojas abandonadas e cidade fantasma, ficaram reduzidos os bairros pobres. Ignomínia: vidros partidos! Por esta lente míope apresentam, com renovado interesse, o cotidiano de uma cidade que durante décadas ignoraram, mesmo perante os assassinatos em série da polícia, até um dia os trabalhadores negros dizerem basta… e uns vidros acabarem partidos. E quase tudo isto é, porém, verdade, isto é, se considerarmos que as verdades têm sempre a classe de quem as afirma. É que os rufias de uns são os lutadores de outros e os autores da verdadeira pilhagem de Baltimore não se serviram de barras de ferro, mas de capital e poder político.

Senão vejamos, por exemplo, a decisão do Comité de Obras Públicas da cidade de Baltimore, tomada no passado dia 13 de maio, de investir mais de 30 milhões de dólares na construção de um novo centro de detenção de jovens e adolescentes, compensando essa despesa com um corte de 11 milhões no sistema de educação pública. Não se trata de vidros partidos, mas de prioridades.

Foi Wall Street que pilhou e destruiu Baltimore, mas o saque começou há duas décadas, antes da eclosão da bolha especulativa do mercado imobiliário norte-americano. As comunidades afro-americanas de Baltimore, já duramente afetadas pela mudança da indústria pesada para outros países, foram escolhidas como alvo de créditos hipotecários de alto risco, os infames subprime. Muito para além da natureza predatória do capital financeiro, os negros de Baltimore foram alvo de um programa racista de implosão social, desenhado para reestabelecer os salários da era da segregação.

Entre meia dúzia de bancos condenados por práticas financeiras fraudulentas e racistas contra os negros de Baltimore, merece destaque o plano do Golias financeiro Wells Fargo. Beth Jacobs, uma das responsáveis máximas pelas linhas de crédito do grupo, explicou em 2009 ao New York Times que “a comunidade negra de Baltimore é terreno fértil para empréstimos subprime. Os negros da classe trabalhadora estão desejosos de aderirem à mania de comprar casas. Basta empurrá-los. Os agentes imobiliários referem-se a eles como ‘homens-lama’ e aos créditos subprime como ‘gueto-empréstimos’(…) A Wells Fargo criou mesmo uma unidade especificamente dedicada às igrejas dos negros, porque os líderes religiosos tinham muita influência e podiam convencer os fiéis a contrair dívidas subprime”.

Apartheid financeiro

Em Baltimore, a política predatória e racista da alta finança surtiu o efeito esperado: o número de famílias atiradas para o sobre-endividamento aumentou até ser a cidade dos EUA com o maior número de famílias despejadas pelos bancos, cerca de 5.200 só em 2014. Do total de desalojados, 71 por cento são negros e dois terços são mulheres. Enquanto que, entre 2005 e 2009, o salário médio anual das famílias brancas caiu 16 por cento, de 134. 992 para 113.149 dólares, os rendimentos dos negros caíram 53 por cento, de 12.124 para 5.677 dólares anuais. É assim que Baltimore chega a 2015 com mais de 55 mil casas abandonadas, 75 por cento das quais pertenciam a famílias negras. É assim que uma explosão de justificada indignação pela morte de um jovem inocente às mãos da polícia incendeia um protesto de massas.

Os verdadeiros responsáveis pela pilhagem de Baltimore são os capitalistas que deliberadamente levam famílias, bairros e cidades inteiras à ruína. São esses “bandos de gatunos” que empurram a classe trabalhadora para a falência econômica querendo protelar a falência histórica da sua própria classe. São esses “violentos rufias” que confundem a liberdade deles com a nossa chantagem e a sua pilhagem com as nossas construções.

Fonte: Jornal Avante!