Do Centro Popular de Cultura ao Cuca da UNE, uma longa trajetória

Em sua trajetória de lutas e conquistas a UNE sempre foi comprometida com as questões sociais da juventude brasileira e no campo da Cultura não poderia ter sido diferente. A entidade fomenta e incentiva a produção cultural alternativa e vê neste processo uma possibilidade de transformação política da sociedade.

UNE Volante - Reprodução

No início da década de 60, mais precisamente em 1961 a UNE inaugurou o Centro Popular de Cultura, que em seu curto período – foi destruído pela ditadura militar em 1964 – revelou grandes nomes da cultura nacional e incentivou a cena artística.

O objetivo dos jovens criadores do CPC da UNE era divulgar a arte popular revolucionária por meio do teatro, música, cinema, literatura e artes plásticas. O núcleo de formação do Centro foi composto pelo sociólogo Carlos Estevam, o dramaturgo Oduvaldo Viana Filho e o cineasta Leo Hirszman.

Segundo Carlos Estevam Martins, a ideia do CPC nasceu no interior do grupo paulistano Teatro de Arena, durante a temporada no Rio de Janeiro das peças "Eles Não Usam Black-Tie", de Gianfrancesco Guarnieri, e "Chapetuba F.C.", de Oduvaldo Vianna Filho. Alguns integrantes do Arena, insatisfeitos com o próprio grupo, que continuava a fazer um "teatro de classe média", levaram, à montagem, "A Mais Valia Vai Acabar, seu Edgar", de Oduvaldo Vianna Filho e Chico de Assis, com música de Carlos Lyra, peça de forte caráter didático encenada no Teatro da Faculdade Nacional de Arquitetura, no Rio de Janeiro, em 1960.

Em apenas um ano o CPC produziu diversas peças de teatro, entre elas, “Eles não usam black-tie", de Guarnieri, e "A Vez da Recusa", de Carlos Estevam; o filme "Cinco Vezes Favela", composto por cinco episódios, com a direção de Joaquim Pedro de Andrade, de Marcos Faria, Cacá Diegues, Miguel Borges e Leon Hirszman; publicou a coleção "Cadernos do Povo" e a série "Violão de Rua', das quais participaram Moacir Félix, Geir Campos e Ferreira Gullar.

Promoveu também a venda de livros a preços populares, e foi pioneiro na realização de filmes autofinanciados. A coleção "Cadernos Brasileiros" e a "Revista Civilização Brasileira", editadas por Ênio Silveira, e a "História Nova", organizada por Nelson Werneck Sodré, sugerem a intensa colaboração entre o Instituto Superior de Estudos Brasileiros e o CPC.

Desenvolveu ainda uma série de cursos e oficinas de teatro, cinema, artes visuais, filosofia e a UNE-Volante, um grupo itinerante que realizou excursões pelas capitais do país para manter contato com as bases universitárias, operárias e camponesas.

As oficinas de literatura de cordel contaram com a participação de Félix de Athayde e de Ferreira Gullar. O projeto do teatro de rua, de Carlos Vereza e João das Neves, assim como o teatro camponês, de Joel Barcelos, pretendiam levar a arte ao povo, nos locais de trabalho, moradia e lazer. O CPC promoveu, ainda, feiras de livros acompanhadas de shows de música – para os quais convidaram os "sambistas do morro", então desconhecidos do público, como Zé Kéti, Nelson Cavaquinho e Cartola. Posteriormente, contaram também com a adesão de Vinícius de Moraes, autor do hino da UNE, e Paulo Francis, que dava aulas de teatro no CPC.

Nas artes plásticas, de menor destaque, colaboraram Júlio Vieira, Eurico Abreu e Carlos Scliar.

Apesar do fechamento do CPC, e da prisão ou exílio de artistas e intelectuais ligados a ele, suas propostas influenciaram iniciativas posteriores, como o célebre show Opinião, de Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa e Paulo Pontes, realizado no final de 1964, reunindo Zé Kéti, João do Vale, Nara Leão e, depois, Maria Bethania.

Depois do período sombrio da ditadura militar, a UNE – que esteve presente na luta pela redemocratização do país – volta a fomentar a cultura ao molde dos novos tempos e no final dos anos 90 lança a Bienal da UNE. A primeira edição foi realizada em Salvador, na Bahia e de lá pra cá a atividade vem sendo um sucesso que cresce a cada nova edição.

A Bienal da UNE reúne artistas consagrados para grandes shows populares e gratuitos, entre eles Beth Carvalho, Martinho da Vila, Chico César, Jorge Mautner, Racionais MC’s, Criolo, e abre o palco para jovens talentos, principalmente do meio universitário.

Para não atuar na área da cultura apenas a cada dois anos, quando acontecem as bienais, a UNE precisou, mais uma vez, se reinventar, e é então, a partir do sucesso da 1ª Bienal da UNE de Salvador que surge o Circuito Universitário de Cultura e Arte da UNE (Cuca). O objetivo inicial era um circuito capaz de gravitar em torno de centros ou núcleos culturais já existentes em todo o Brasil.

Os moldes eram semelhantes ao experimento da década de 1960, o CPC da UNE. Os artistas do CPC não só utilizavam as instalações do prédio da UNE, como também participavam, por meio da arte, ativamente das pautas políticas defendidas pela entidade. Então, logo após a 2ª Bienal, em maio de 2001, foi realizado o 1º Seminário do Cuca, responsável pelo estabelecimento de uma coordenação geral do projeto. Surge o “Santa Cuca,” no Centro Acadêmico do curso de medicina da Faculdade Santa Casa, em São Paulo, onde eram realizados shows e pequenos eventos.

O circuito tem como planejamento manter as práticas que se formaram ao longo de sua existência, mas, também, realizar novas formas de cultura para que a diversidade da juventude brasileira seja abraçada como um todo. Ele se reinventa a cada Bienal da UNE, a cada nova possibilidade do fazer artístico. Os próprios mecanismos artísticos de hoje contribuem para isso, como o audiovisual, as artes visuais, o cinejornal, as artes plásticas…