Vandré Fernandes: Um cinema sem preconceito

A propaganda do Boticário para o Dias dos Namorados – em que aparecem três casais: um hétero, um gay e um de lésbicas presenteando seus parceiros – causou um grande debate na última semana. Outro debate é a PL que segue no Congresso sobre o conceito de família. Pensando nesses dois episódios, decidi falar de dois filmes que saíram das telonas, há algum tempo, e estão disponíveis nas prateleiras das locadoras e/ou no youtube.

Por Vandré Fernandes*, no portal da UJS

Hoje eu quero voltar sozinho - Divulgação

Sobre meninos e meninos

O primeiro é o filme Hoje eu quero voltar sozinho (2014), de Daniel Ribeiro. O tema já havia sido abordado por ele em um curta metragem, e foi ampliado para o longa que retrata um casal de jovens homossexuais de forma sensível, sem máscaras ou caricaturas.

Leonardo (Guilherme Lobo) é um estudante cego que sofre bullying dos colegas por conta de sua deficiência. Ele tem uma amiga, Giovana (Tess Amorim), que é sua principal confidente. Ela nutre um amor platônico pelo colega. Mas a chegada de Gabriel (Fabio Audi) instala um conflito na trama, porque Leonardo se apaixona por ele.

Poderíamos dizer que a cegueira de Leonardo é uma metáfora para o ditado popular “o amor é cego”. Ou seja, o ato de amar não depende da raça, da cor, do sexo, ele simplesmente acontece.
Aos poucos Gabriel vai entrando na vida de Leonardo, tanto nas caminhadas até o portão de casa, nas idas ao cinema – onde Gabriel narra as cenas do filme para Leonardo –, nos passos de dança no quarto, nos passeios de bicicleta, até rolar um beijo “roubado” em uma festa.

Todo os conflitos e o clímax do filme seguem para o final feliz.

A crítica de um jornal de São Paulo dizia que se tratava de um filme que arrancaria o elogio até de homofóbicos. E de fato isso aconteceu. Não houve críticas pejorativas. Ele foi elogiado e ganhou a indicação para disputar o Oscar como melhor filme estrangeiro, não sendo classificado pela academia de Hollywood. Mas isso não importa. O que vale é que foi um filme bem realizado e dirigido, colocando o amor e o combate ao preconceito em primeiro plano. Bem diferente dos comentários destilados nas redes sociais por conta dos 30 segundos do Boticário. E a vida segue.

Uma trupe da pesada

O segundo filme é o documentário Dzi Croquettes (2009) em que aproveito para refutar o PL de autoria do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), que determina que o núcleo familiar deve ser composto a partir da união entre um homem e uma mulher.

Treze homens vestidos de mulheres dão o formato ao grupo Dzi. Ele nasceu durante a ditadura militar, na época mais dura do regime, e mudou a cena do teatro e da dança, com suas peças e performances ousadas, abalando as estruturas sexuais das pessoas e quebrando tabus, influenciando toda uma classe artística que viria posteriormente.

O documentário é dirigido por Tatiana Issa e Rafhael Alvarez. Tatiana é filha do cenógrafo do grupo, Américo Issa. Através de fotos, vídeos amadores, super oito, depoimento dos quatro remanescentes do grupo e de vários artistas como Ney Matogrosso, Pedro Cardoso, Claudia Raia, Marília Pêra, Liza Minneli, Miguel Falabella entre outros, os diretores remontam a trajetória do grupo que trabalhava a comédia de costumes para debochar da ditadura e da realidade brasileira. Isso levou o grupo ao exílio.

É Lisa Minelli, cantora e atriz conhecida mundialmente, que vai adotá-los na Europa e, a partir daí, o Dzi Croquettes ganhou o velho mundo.

Dzi era mais que um grupo, era uma família. A menina Tatiana, com seus 3, 4 anos, viajava com o pai para todo o canto e se encantava com aqueles seres barbudos cheios de purpurina, com sapatos de salto alto e asas de borboletas, da qual ela acreditava serem palhacinhos.

Inspirada no Dzi nasce a versão feminina chamada “As Frenéticas”, que fez muito sucesso na década de 1980.

Tatiana encerra o filme mostrando a data dos oito membros que faleceram. Mas eles não morreram, como ela afirma, eles viraram purpurina. E assim termina falando de seu pai:

– E meu pai virou purpurina em 2001!

Ou seja, quem é o deputado Anderson Ferreira para dizer que ela, Tati, o pai e o namorado do pai não eram uma família?

Fica a dica dos filmes e por favor, menos ódio e mais amor, e é claro, muito cinema também.

Assista aos trailers:

Hoje eu quero voltar sozinho



 

Dzi Croquettes