Vandré Fernandes: Branco sai, Preto fica

Em 1997, o disco dos Racionais MC’s intitulado “Sobrevivendo no inferno” estourou, mudando a cara da música brasileira e consolidando de vez o rap e a cultura hip-hop –“A fúria negra ressuscita outra vez, Racionais, capitulo 4, versículo 3”.

Por Vandré Fernandes*, no portal da UJS

Branco sai, preto fica - Divulgação

É com o olhar sobre o racismo e o extermínio da juventude negra que o filme “Branco sai, Preto fica”, de Adirley Queirós, ressuscita essa fúria.

Nos anos de 1980, entre os sons de James Brown, Jackson Five, Commodores e Manhattans, a juventude com suas calças “boca de sino” e com seus cabelos black power saíam para dançar com seus passos ritmados nos salões espalhados pelas grandes cidades.

Marquim e Sartana, os protagonistas do filme “Branco sai, Preto fica”, vivenciaram essa época. Eles remontam um baile em Brasília em que a polícia chegou pedindo para os brancos saírem e os “pretos” ficarem. Sobrou pancadas e tiros para aquela juventude negra.

Na ocasião, Marquim tomou um tiro e ficou paraplégico. Sartana, que tentou sair correndo, teve sua perna esmagada pela cavalaria militar e, desde então, vive com uma perna mecânica.

Existe um outro personagem chamado Cravalanças, uma espécie de detetive do futuro, que vive em (2073), e viaja no tempo através de um container para rever e reparar essa história de horror.

Marquim, através da sua pick up genial e carregada de boa música, escorre uma nostalgia misturada com indignação. Mas não pela brutalidade da polícia, que o deixou numa cadeira de rodas, mas com todo o Sistema. Por isso, ele elabora um plano, ajudado Sartana, que tem conhecimento em eletricidade e que pode elevar à potência máxima uma bomba feita de profusão de músicas, sons e ruídos, para explodir o Congresso Nacional.

A história de Marquim e Sartana são verídicas, porém ficcionadas por Queiroz. Em que o diretor conduz de forma documental e fragmentada.

A linguagem não segue uma narrativa clássica, bebe em Godard e no cinema marginal paulista, por isso, à primeira vista, pode ser difícil de digerir.

Se o filme trata de vidas destruídas pela brutalidade policial durante um baile em 1980 contra os negros. Se em 1997, o grupo Racionais lançou um disco manifesto/denúncia falando do racismo escancarado no Brasil, podemos afirmar que chegamos em 2015 e nada mudou.

Hoje, nas periferias, os bailes funks são duramente reprimidos. Cerca de 83 negros são mortos por dia no Brasil**, um verdadeiro genocídio. E o Congresso Nacional pensa ter encontrado uma fórmula para combater a violência e a criminalidade que é a redução da maioridade penal, um ledo engano.

Podemos concluir que será preciso fazer uma bomba mais poderosa, do que fez Marquim, para explodir o preconceito e o racismo se quisermos propagar a paz.

O filme foi o grande vencedor no Festival de Brasília em 2014.

Assista ao trailer:

**Dados da Anistia Internacional divulgados em novembro2014 no estudo sobre o genocídio da população negra no