Dipp: Delação não tem poder de fundamentar sequer uma denúncia

Em palestra na Associação Comercial de São Paulo, o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Langaro Dipp, aposentado do cargo no fim do ano passado, afirmou que, juridicamente “a palavra do delator vale muito pouco” e que a delação premiada “não é prova”.

Dipp: Prisões preventivas devem estar condicionadas no tempo e nos fundamentos jurídicos
- Foto: O Globo

“A delação é apenas um instrumento de obtenção de prova. Não vale a palavra dele para condenar, muito menos para oferecer uma denúncia se for apenas na sua informação. Uma delação não tem o condão de fundamentar uma sentença judicial. Eu diria mais: não tem o condão de fundamentar sequer uma denúncia.”

À imprensa, porém, ele não quis opinar se está havendo abuso na utilização da delação premiada na Lava Jato. “Não vou dizer que seja [utilizada abusivamente)[. É feito com participação judicial, do Ministério Público. O que é de certa forma inusitado é o número de colaborações premiadas nessa investigação. Isso realmente nunca aconteceu, mas eu não posso dizer que seja abuso, porque o acordo é um acordo entre as partes”, disse. “O que se pode questionar é se essas colaborações são voluntárias. Todo réu preso acho que a vontade está diminuída.”

De acordo com Dipp, não se pode ignorar as implicações econômicas relacionadas à Lava Jato. “Só se fala hoje em punição, em cadeia, em indenização. A grandeza dessa investigação implica em uma cadeia de envolvimento econômico, desde fornecedores, prestadores de serviço, não só em relação à Petrobras, mas com toda a administração pública”, afirmou, na palestra intitulada "Delação Premiada e Acordo de Leniência". “O que eu quero dizer é que não é só a questão da punição. Deve haver (punição) e haver drasticamente, quando for o caso. Mas não podemos esquecer que a conjuntura, a situação grave de desemprego, o aspecto da economia do Brasil, têm que ser ponderados.”

O ex-ministro ressalvou ainda que não sabe como "fazer isso dentro de um determinado processo”. “Mas o olhar não pode ser apenas com caráter punitivo. Há outras consequências que não excluem a punição, mas que podem ser observadas. Há que se ter um meio-termo em que se possa punir aqueles que foram efetivamente culpados mediante o devido processo legal, mas (é preciso) ter uma noção de Estado, a manutenção de empregos, da ordem econômica e da social, a inércia do país.”

Na opinião do jurista, as instituições “não estão fortalecidas para ter a coragem de fazer isso tudo ao mesmo tempo, e todos os dias há uma denúncia nova, uma delação nova em que o delator, ao mesmo tempo em que se auto-sacrifica, numa cadeia vertiginosa ele derruba vários concorrentes. Tudo isso precisa ser repensado”. Ele não citou nominalmente o juiz Sérgio Moro, que conduz a Lava Jato na Justiça Federal do Paraná.

Dipp também não quis comentar se a prisão preventiva estaria sendo utilizada abusivamente ou como instrumento para coagir os réus. “Não digo que não deva haver prisões preventivas, mas elas devem estar condicionadas no tempo e nos fundamentos jurídicos. Tudo o que for além pode ser questionado.”

Perguntado se considera que as prisões preventivas estão sendo usadas sem "estar condicionadas no tempo e nos fundamentos jurídicos”, o ex-ministro se esquivou. “Espero que não, porque as coisas são muito recentes, estão tramitando, não acredito que a investigação se dê dessa forma porque é um consenso que tem que ser comprovado por outros meios, por documentos etc.”

O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel participou do debate e defendeu as empresas, ao criticou o caráter “impeditivo” representado pela exigência da certidão negativa de débito para pessoas jurídicas, que se veem proibidas de contratar com o setor público e participar de certames licitatórios. “O Supremo já disse reiteradamente que isso é sanção política, e, portanto, as normas são inconstitucionais, mas a certidão negativa permanece absolutamente sendo exigida todos os dias. Não consigo compreender ‘a inidoneidade’ de uma pessoa jurídica. Que se apliquem penas à pessoa física, que se multe a empresa, mas a empresa é algo mais complexo. Ela se insere numa cadeia de negócios, envolve empregados, envolve fornecedores, portanto, é um ente bem mais complexo”, afirmou.