Raúl Capote: Ucrânia, o fascismo galopante 

Após vários dias de violentos enfrentamentos, centenas de mortos e feridos, destruição e ódio, uma vez alcançado o propósito de derrubar o governo ucraniano, o idealizador do Golpe Suave, Gene Sharp, salientava aos seus discípulos do Instituto Albert Einstein, “Maidan é um exemplo de estratégia não-violenta que não alcançou a totalidade de seus objetivos”.

Por Raúl Antonio Capote*

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Ao escutá-lo pensei, “deve ser pelo excesso de violência desencadeado pelos grupos fascistas”, mas não era essa a razão. Tirando as experiências do acontecimento em Kiev, o especialista em não-violência recomendava, “o presidente não pode renunciar, não pode ser deposto. Está se repetindo o erro do Egito: é preciso arruinar o governo, é preciso fazer surgir o caos, a mais absoluta ingovernabilidade em todo o país para que se possa dizer que a estratégia alcançou todos os seus objetivos”.

Recordemos como tudo começou: cidadãos concentrados na Praça Maidan de Kiev, na noite de 21 de novembro de 2013, manifestavam seu descontentamento. No dia anterior, 20 de novembro, o Governo da Ucrânia havia suspendido a assinatura do Acordo de Associação e do Acordo de Livre Comércio com a União Européia.

Os protestos foram iniciados por estudantes universitários, no entanto, posteriormente se uniram diferentes setores da população, todos descontentes com a gestão do Partido das Regiões e com os resultados de sua política econômica e social. Entre os principais promotores se encontravam: organizações sociais e estudantis, a oposição política e as Igrejas Ucranianas, principalmente a Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Kiev. Nas manifestações também participavam representantes de minorias étnicas, russos, tártaros da Criméia, judeus, georgianos, armênios e outros.

“Eu quero que meu país seja como os outros da União Européia”, afirmava um jovem diante das câmeras de televisão da mídia internacional e essa era uma das principais razões que unia aquelas pessoas na Praça, o desastre econômico e a corrupção desenfreada, motivavam a indignação de centenas de cidadãos.

A partir de novembro de 2013, a população ucraniana se encontrava virtualmente dividida: 38% dos ucranianos apoiavam uma associação com a Rússia, enquanto que 37,8% preferiam uma associação com a Europa. Ao mesmo tempo, 41% dos ucranianos consideravam que a prioridade para a Ucrânia tinha que ser a integração com a UE e 33%, ao contrário, se mostrava partidário de uma união de fronteiras com a Rússia. O maior apoio no sentido da integração com a UE se encontrava em Kiev, em torno de 75% e no oeste da Ucrânia 81%; este apoio se reduzia a 56% no centro do país, a 30% no sul e na Criméia, sede da frota pôntica, e a 18% no leste .

Houve um momento em que as manifestações começaram a enfraquecer por sua própria dinâmica interna e por fatores externos, acordos entre as partes, promessas de solução e o frio intenso que convidava à tranquilidade do lar. Os especialistas sérvios do Otpor começaram a aparecer no cenário: Srdja Popovic, Andrej Milivojevic, Slobodan Djinovic, o organizador do Festival EXIT na Sérvia, Rajko Bozic, promotor de Los Aldeanos em Cuba e professor de guarimbeiros venezuelanos e outros especialistas do Golpe Suave provenientes dos Estados Unidos, Alemanha e Polônia. Organizaram-se atividades “artísticas”, danças, atividades plásticas, apresentações de grupos musicais, com forte conteúdo antirusso e anticomunista. O objetivo central era manter a praça cheia a qualquer custo.

Os grupos de ultra direita, as organizações fascistas ucranianas, presentes desde o início, começaram a assumir o protagonismo do protesto, como o grupo fascista Pravy Sektor (Faixa Direita), um dos principais organizadores do movimento em Kiev e instigador dos distúrbios mais violentos (se trata de um dos grupos mais ativos na hora de organizar novas forças de segurança e recrutar voluntários para o exército do atual governo ucraniano com o propósito de agredir as regiões ao leste do país). Borís Filátov, vice-governador de Dniepropetrovsk, propunha, no seu perfil do Facebook, a necessidade de mostrar-se moderado com os russos da Criméia, prometer-lhes tudo, dar-lhes autonomia e direitos, e logo, uma vez controlada a situação, "enforcá-los, enforcá-los todos" . O partido de extrema direita fascista, Svoboda, foi o responsável por atos xenófobos violentos contra minorias e agressões contra os comunistas e à Assembléia Nacional Ucraniana, conhecida como UNA-UNSO nas siglas em ucraniano.

Em 8 de dezembro de 2013, os manifestantes derrubaram a estátua de Vladímir Ilitch Lênin, fundador da União Soviética.

A violência foi potencializando-se, as tentativas dos agentes de segurança de dispersar o povo da praça à força, gerou uma forte resistência e permitiu que se alcançasse um dos objetivos dos reais organizadores dos acontecimentos: a violência começou a crescer numa espiral incontrolável.

Fotos do criminoso fascista Stepan Bandera, símbolos nazistas, uniformes da SS, capacetes, correntes, armas caseiras, bombas e lança-bombas artesanais, (do mesmo modelo usado em fevereiro passado na Venezuela), lança chamas caseiros que utilizam um líquido similar ao napalm, pistolas, machados, martelos, se impuseram sobre os cantos e os cartazes.

Em 20 de fevereiro de 2014, conhecido como “quinta-feira sangrenta”, um grupo de franco-atiradores começou a abrir fogo contra os manifestantes. A imprensa internacional culpou de imediato o governo de Ianukovitch e as forças de segurança pelo crime, segundo alegam muitos testemunhos e sobreviventes do massacre. Atiradores disfarçados com o uniforme da polícia antimotim, atiravam tanto contra os manifestantes como contra a polícia, as balas de seus fuzis não escolhiam alvos. Disparavam indiscriminadamente contra qualquer um que estivesse ao alcance de suas miras. Médicos forenses e investigadores declararam que as munições que feriram policiais e manifestantes eram as mesmas e provinham das mesmas armas. Cada vez está mais claro que os franco-atiradores obedeciam ao atual governo. Fontes não públicas do governo declararam que provinham da organização Assembléia Nacional Ucraniana e especialistas de inteligência disseram que este tipo de arma é utilizado pelas forças especiais da Otan. O ex-chefe do Conselho de Segurança ucraniano Alexander Iakimenko declarou ao veículo de mídia Russia Today que, naquele dia, a polícia antimotim estava se retirando do cenário dos protestos, desmoralizados, quando franco-atiradores começaram a disparar contra eles do telhado do Edifício da Filarmônica e do Hotel Ucrânia, controlados pela oposição. Um ano depois, jornalistas da BBC de Londres revelaram as declarações de um dos franco-atiradores, um homem da Assembléia Nacional Ucraniana, que reconheceu ter disparado contra a polícia antimotim. Se revisarmos os acontecimentos do golpe na Venezuela em 2002 (onde se mostrou que foram os golpistas que dispararam contra o povo) e cada Golpe Suave ou suas tentativas, descobriremos assassinatos desse tipo, sem verificação dos culpados, sem que nunca se possa saber, na maioria dos casos, quem realmente disparou as armas e onde sempre se culpam as forças de segurança do país vítima da tragédia. Toda Revolução Colorida que se preze necessita da repressão violenta do governo, necessita de vítimas e, se o governo a ser derrubado não as provoca, para isso servem os serviços especiais do imperialismo e seus discípulos treinados para matar.

Como em cada um destes cenários, sempre que for necessário, estarão assassinos a serviço dos golpistas, treinados pela CIA (seja como franco atiradores ou misturados na multidão) primeiro incitam a violência, provocando-a de ambos os lados, e matam sem distinção, principalmente os manifestantes. Se conseguirem derrubar algum personagem que possa converter-se em ícone do protesto, perfeito! O principal é culpar o governo, mostrar que é o responsável pelas mortes. Para isso servem as multinacionais das comunicações e a Internet, para isso servem as mídias sociais, para isso servem seus ciberguerreiros prontos para fabricar a “verdade necessária”.

Centenas de mortos, feridos, mutilados, um país dividido, em crise, em guerra fratricida, foi o resultado de Maidan. Forças obscuras manipulam os fios dos acontecimentos e colocam o mundo à beira de uma guerra devastadora. A Ucrânia foi a vítima sacrificada pelo poder imperial para atingir seus objetivos estratégicos.

A Ucrânia, desde a queda da União Soviética, encontra-se entre os países menos transparentes do mundo, a organização Transparência Internacional outorga-lhe 26 pontos dos 100 que concede como máximo. Valeria Gontareva, diretora do Banco Central da Ucrânia, alegava em uma recente entrevista ao Russia Today sobre a economia: “Na historia do país não houve um período tão difícil desde a Segunda Guerra Mundial”.

O sonho de integrar-se à União Européia, uma das principais causas das manifestações em Maidan, pode transformar-se num grande pesadelo. Em 16 de setembro de 2014 foi assinado um acordo comercial de associação entre a Rada Suprema (Parlamento do país) e o Parlamento Europeu, mas para ser membro pleno, segundo o Presidente Petró Oleksíyovych Porochenko, a nação não estará pronta antes de 2020.

O outrora “celeiro do mundo”, desde a queda do socialismo vem sofrendo declínio. As atuais medidas propostas pelo Banco Mundial e aprovadas pelo atual governo ucraniano podem levar o rico país agrícola à quebra de suas empresas e à total ruína dos já empobrecidos camponeses.

As grandes multinacionais agrícolas afiam suas unhas e dentes. Cairão com toda sua força sobre o campo ucraniano, destruindo sua base produtiva, introduzindo a monocultura intensiva, arruinando a produtividade de suas terras.

O Banco Mundial aprovou um empréstimo de US$ 17,5 milhões de dólares, que pode chegar a US$ 40 bilhões, em troca de profundas reformas extremamente impopulares, entre elas abandonar um importante conjunto de programas sociais para os sobreviventes da era socialista.

O panorama é conhecido: fechamento de empresas “improdutivas” (por trás dessa palavra se esconde na maioria das vezes o fim da concorrência), demissão de milhares de trabalhadores, pacotes de medidas cada vez mais dramáticos, redução drástica do orçamento dedicado à saúde, educação e previdência social.

Nenhum dos acordos estabelecidos em Maidan foi cumprido, a economia piora, o país se fragmenta, a corrupção segue firme. A Ucrânia não é membro da União Européia e para consegui-lo terá que sacrificar-se.

O que acontece hoje na Ucrânia não é fruto dos protestos em Maidan, é conseqüência de um plano bem pensado, de uma estratégia geopolítica maior, onde se aproveitou como se recomenda na “Estratégia das Revoluções Coloridas”, o descontentamento popular para impulsionar uma agenda de interesses espúrios. Em Maidan as potências ocidentais aliadas dos Estados Unidos, trouxeram à luz a pior herança do fascismo naquela região, onde suas hordas violentas, racistas e servis, têm uma história pregressa ligada aos crimes mais horrendos da Segunda Guerra Mundial, em um país destinado pela Alemanha nazista a ser colônia de escravos, onde os que sobrevivessem ao extermínio reservado para os habitantes do leste europeu trabalhariam em condições sub-humanas na produção de alimentos para o Império Milenar.

Na Ucrânia empregou-se a estratégia dos serviços especiais estadunidenses, em especial da CIA, para não apenas derrubar um governo no tom dos interesses dos Estados Unidos, senão para levar adiante os planos hegemônicos nesta região do país, cercar a Rússia e lembrar à Europa quem são os donos do mundo.

A história retrocedeu 70 anos como se aquele país e seus habitantes tivessem entrado em uma máquina do tempo diabólica, as tropas hitlerianas ocupavam Kiev, perseguiam-se comunistas e judeus. A imagem de Hitler, em tamanho grande, foi colocada à entrada de um prédio público, em homenagem ao assassino de mais de 20 milhões de soviéticos, enquanto bandos de nazistas percorriam as ruas armados de correntes, paus, punhais, machados, aterrorizando a população.

Os judeus temem serem vítimas de represálias das forças da direita fascista e fogem do país. Outras minorias não escapam da perseguição e da morte, as “tropas de assalto” fascistas se lançam a matar pró-russos e russos no leste do país, e cometem crimes cruéis contra a humanidade, massacrando civis. A linguagem do ódio racista se impõe.

Militantes fascistas assaltam as sedes do Partido Comunista da Ucrânia. Queimam livros, destroem monumentos, perseguem e matam comunistas. Em muitas regiões foram proibidas as atividades e o uso dos símbolos do Partido Comunista.

De novo, como nos anos 30, a imprensa capitalista mantém o silêncio, de novo, os governos europeus guardam silêncio cúmplice, de novo o inimigo não é o fascismo, é a Rússia. Diz um provérbio, que os povos que esquecem sua história estão condenados a vivê-la de novo, esperamos que os povos da Europa lembrem-se o custo do mutismo e o preço que precisou ser pago pela cumplicidade de seus governos com o fascismo.

Agora existe uma trégua, esperemos que a sanidade, que a sensatez prevaleça na Europa. Na Ucrânia se trava uma grande batalha contra o fascismo, o triunfo das forças obscuras deixaria aberta a via da opção fascista, nunca descartada, para a prevalência do capitalismo no século XXI. Recordamos que esse caminho conduz à desolação e à morte, mas por fim, aos senhores fascistas e seus cúmplices resta Stalingrado. Lembrem-se de Stalingrado.

http://es.wikipedia.org/wiki/Euromaid%C3%A1n

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Tradução: Rita Butes

* Raúl Antonio Capote, nasceu em Havana, em 1961. Como oficial da segurança cubana foi durante anos um agente infiltrado que ajudou a desbaratar redes de sabotagens e terrorismo contra Cuba socialista, tendo escrito, sobre esta experiência o livro Enemigo (ainda sem edição em português). Capote é licenciado em artes, mestre em Relação Internacionais e professor auxiliar da Universidade de Ciências Pedagógicas Enrique José Varona. É membro da União de Historiadores de Cuba e da Sociedade Cultural José Martí. Escritor, autor dos seguintes livros: El caballero ilustrado (Novela. Editorial Letras Cubanas, Cuba, 1998), Juego de Iluminaciones (Cuentos. Casa editora Abril, Cuba, 2000), El adversario (Novela. Editorial Plaza Mayor, Puerto Rico, 2005, Editorial Letras Cubanas, Cuba, 2014), Enemigo (Testimonio. Editorial José Martí, Cuba, 2011, Grupo Editorial AKAL, España, 2015, Editorial Zambon, Italia, 2015).

O presente artigo é inédito em língua portuguesa.