Cordel Umbilical: Carta de Idalzira para Joan

Minha casa era hospedagem
Dos que moravam por fora
Homem, criança e senhora
Faziam camaradagem
Todos fizeram viagem
Em busca de outro torrão
Deixando meu coração
Cheio de saudades somente
De uma casa cheia de gente
Só resta um gato e um cancão

Foram embora meus cunhados
Meus sobrinhos, meus amigos
Foram enfrentar os perigos
Que existe em outros estados
Hoje estão espalhados
Me dando recordação
Vivo nesta solidão
Velha, cansada e doente
De uma casa cheia de gente
Só resta um gato e um cancão

Fomos quatro irmãos unidos
Todos morando por perto
Porém Jesus achou certo
Que ficássemos divididos
Por isto fomos escolhidos
Para esta separação
A mana do coração
Foi embora primeiramente
De uma casa cheia de gente
Só resta um gato e um cancão

Também um filho casado
Minha nora carregou
Meus netos também levou
Acabou o meu passado
Vi o mundo fracassado
Cheio de tanta ilusão
Pus a caneta na mão
Escrevi rapidamente
De uma casa cheia de gente
Só resta um gato e um cancão

Evandy saiu primeiro
Para fora trabalhar
Depois pôde carregar
Joan que é rapaz solteiro
Erivam foi derradeiro
Todo cheio de razão
Edvany disse: assim não
Vou casar ligeiramente
De uma casa cheia de gente
Só resta um gato e um cancão

Primeiro foi Evandy
Que era meu braço direito
Porém Deus achou bem feito
Levá-los todos daqui
Erivan, Joan, Edvany
Foi grande a separação
Só que não suporto não
De todos ficar ausente
De uma casa cheia de gente
Só resta um gato e um cancão

O cancão, meu grande amigo,
Canta e pula sem parar
O gato fica a miar
Pensando que não lhe ligo
Porém baixinho lhe digo
Não tenha ciúme não
Que é grande meu coração
Amo a todos igualmente
De uma casa cheia de gente
Só resta um gato e um cancão

Hoje é meu aniversário
Mas me sinto muito triste
Não sei como se resiste
Um viver tão solitário
Tá parecendo um calvário
Sexta-feira da Paixão
Porém a ressurreição
Pode chegar de repente
De uma casa cheia de gente
Só resta um gato e um cancão

Cedro, 20 de agosto de 1990