Cordel Umbilical: Carta de Erivan para Joan

Joan, meu prezado irmão
Não pense que me intimida
Pois por essa minha vida
Já fiz muita confusão
Cantei em muito torrão
Ganhei de bons violeiros
Nunca fui dos derradeiros
Todos ficaram pra trás
Esmagalhei Ferrabrás
E derrotei Oliveiros

Me desculpe confessar
Que suas rimas pra mim
Vão de pior a ruim
Perto já de se acabar
Melhor procurar lugar
Pra se esconder do irmão
Que cabra que é valentão
Comigo entra na peia
Arrisca ir pra cadeia
Apanhar como ladrão

Vamos falar cara a cara
Que de ti não tenho medo
E não é nenhum segredo
Abraão já confessara
Que sua esposa era Sara
Mulher de muita ternura
Mas com doença sem cura
Pois não podia ter filhos
E assim seguia nos trilhos
Dessa sua desventura

Alfa e Beta são duas
Letras do Grego alfabeto
Que por ser o mais dileto
Brilha mais que quatro luas
E as indagações tuas
Respondo sem ter problema
Pois pra mim não tem dilema
São duas constelações
Brilhando nas dimensões
E inspirando os poemas

Foi imensa a nossa luta
Pra ganhar o campeonato
Mas nós ganhamos de fato
Aquela nobre disputa
É verdade não é truta
Nossa pátria mãe gentil
Fez casamento civil
E até por merecer
A taça Jules Rimet
Veio morar no Brasil

Me contou um jornalista
Homem muito respeitado
Que o Cedro admirado
Recebeu um certo artista
João dos Santos Batista
Pisou no Cedro primeiro
Era o maior violeiro
Dominador do seu pinho
E Pedro Alves Marinho
Era o seu nobre parceiro

A data de sua morte
Eu me lembro com desgosto
Foi um treze de agosto
De 80 o ano sem porte
Acabou-se sua sorte
Foi enterrado com glória
Guarde tudo na memória
Foi sepultado em Belém
Perto da linha do trem
Morreu mas ficou na história

Virgulino Ferreira Lampião
Faleceu numa certa madrugada
Em Pernambuco, Serra Telhada
Nesse dia todo o povo do sertão
Ficou triste de todo coração
Pois mataram o seu nobre protetor
Cabra da peste, homem de valor
Os polícias sua cabeça deceparam
Pra São Paulo de trem eles levaram
Pra provar o seu ato de horror

É em Santos bela cidade
Cheia de luxo e conforto
Onde fica o maior porto
De nossa localidade
No Brasil é bem verdade
Não tem outro como tal
No mundo não tem igual
Tem embarcações navais
Coisa que não acaba mais
Tudo lá é bem legal

Acho que já respondi
Todas as suas questões
Embora as opiniões
Possam vir a divergir
Você não tem pra onde ir
Agora quero saber
Você tem que responder
Não dê o chute na trave
Qual foi o pecado grave
Que Jesus fez pra morrer

Minha memória já puxa
Já estou envelhecendo
As coisas estou esquecendo
Responda em cima da bucha
Qual é o nome da Xuxa
A rainha dos baixinhos
Consulte seus pergaminhos
Responda sem ter demora
O que é uma caipora
E quem é o deus dos vinhos

Diga o nome do pintor
Que pintou a Monalisa
E a nobre torre de Pisa
Por que foi que se entortou
Responda sem dissabor
Qual foi o primeiro papa
Onde é que fica a Lapa
Quero ver o seu semblante
Diga qual mais importante
Se é o livro ou se é a capa

Quero ver sua leitura
Quero ver sua poesia
Responda com energia
Pra AIDS qual é a cura
Quero ver sua cultura
Responda com precisão
Do Cedro nosso torrão
Qual a maior poetisa
Se não souber não precisa
Que eu já sei a solução

Vou encerrar nosso assunto
Cuidado pra não errar
Você pode se arriscar
A transformar-se em defunto
Virar carne de presunto
E eu não quero ver morto
Subindo a rampa do horto
O meu irmão predileto
Da família o mais dileto
Enquanto eu o mais torto

Sei que você não faz nada
Pode logo me escrever
Então pode responder
Ao seu irmão camarada
Me mande carta selada
Pois eu estou no afã
De ouvir poesia sã
Segue um enorme abraço
Acochado como o laço
Do seu irmão Erivan

Fortaleza, 27 de setembro de 1991