Brasil acolhe mais refugiados sírios que países europeus

De acordo com o relatório Tendências Globais, divulgado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), o número de pessoas forçadas a deixar suas casas atingiu, em 2014, o nível recorde de 59,5 milhões em todo o mundo. O documento apontou ainda que existe uma tendência de crescimento observada desde 2011, quando se iniciou a guerra na Síria, provocando o maior volume de deslocamento no mundo nos últimos anos.

Refugiados sírios no Brasil - São Paulo - Santos FC

Em discurso na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na última segunda-feira (28), a presidenta Dilma Rousseff reafirmou que o Brasil está de braços abertos para receber os refugiados.

“Recebemos sírios, haitianos, homens e mulheres de todo o mundo, assim como abrigamos, há mais de um século, milhões de europeus, árabes e asiáticos. Estamos abertos, de braços abertos para receber refugiados”, afirmou a presidenta, dando exemplo a países europeus que têm fechado as fronteiras a refugiados do Oriente Médio e norte da África.

Mas muito além das palavras, a posição do Brasil é demonstrada na prática. Hoje, vivem no país cerca de 8.530 refugiados de 81 nacionalidades. Os sírios, que são a maioria, totalizam 2.097 e se concentram nas regiões Sul e Sudeste, com destaque para São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Mas há ainda estrangeiros vindos do Líbano, Palestina, Libéria, Iraque, Bolívia e Serra Leoa.

De acordo com dados da agência de estatísticas da União Europeia (Eurostat), apesar da distância de 10 mil quilômetros que separam o Brasil da Síria, esse número é superior ao dos Estados Unidos (1.243) e ao de países no sul da Europa, como Grécia (1.275), Espanha (1.335), Itália (1.005) e Portugal (15). Os dados referem-se ao total de sírios que receberam asilo, e não aos que solicitaram refúgio.

Também somos o segundo país que mais concedeu asilo a refugiados sírios no continente americano, só perdendo para o Canadá, que recebeu 2.374 refugiados entre janeiro de 2014 e janeiro deste ano.

Na América Latina o número de solicitações concedidas pelo governo brasileiro é consideravelmente superior. Desde 2011, a Argentina concedeu refúgio a apenas 233 sírios, segundo o Conare argentino. Já o Uruguai, a 44, de acordo com dados do Ministério das Relações Exteriores. O Chile recebeu 10 imigrantes.

Solidariedade

“Nós temos condições de absorver essa população, mesmo num cenário de ajuste fiscal”, afirmou o secretário nacional de Justiça, Beto Vasconcelos, salientando que existem razões humanitárias para recebê-los. “Tenho certeza que o Brasil tem condições de acolher essa população que vive uma situação dramática”, disse.

Nesse sentido, o Comitê Nacional de Refugiados (Conare) aprovou a prorrogação por mais dois anos da concessão de vistos para esses refugiados decorridos do agravamento de questões humanitárias e de violações a direitos humanos em outros países. Com isso, os vistos que teriam seus prazos de validade até setembro deste ano, serão concedidos até setembro de 2017.

Essas concessões representam uma esperança para os milhares de refugiados, já que não exigem uma série de requisitos e documentos para vistos comuns, entre eles passagens de volta aos países de origem.

O Conare também autorizou o Ministério das Relações Exteriores a formalizar parcerias com entidades e organismos internacionais, como o Acnur, para permitir a melhoria dos processos de emissão de vistos especiais.

“Nossa intenção é melhorar a eficiência e, se possível, ampliar a possibilidade de autorização desses vistos e a garantia de que mais pessoas que vivem o drama humanitário possam acessar nosso sistema nacional de refúgio. Uma parceria com a Acnur pode ajudar nossas unidades, que não têm uma experiência aprofundada no tema, a melhor processar esses pedidos”, afirmou Beto Vasconcelos.

“Há uma orientação clara às unidades da Receita Federal para expedição rápida de documentos de identidade civil a solicitantes e a refugiados, bem como a emissão de carteira de trabalho para facilitar a inserção (deles) no mercado de trabalho brasileiro”, acrescentou.

Lei trata todos como iguais

Também além do discurso de que por herança cultural somos um povo afável e hospitaleiro, a legislação brasileira tem papel importante nesse processo de solidariedade, pois, ao contrário de outros países, o Brasil, do ponto de vista legal, não trata o estrangeiro residente no Brasil de forma diferente. “O reconhecimento como refugiado dá o direito a não ser extraditado, aos registros civil e de trabalho, além do acesso aos sistemas públicos de saúde e educação”, disse Vasconcelos.

Não se trata somente de leis esparsas, mas de um princípio basilar da Constituição brasileira. Para se ter uma ideia da diferença, pressionado pela extrema direita, o governo dinamarquês reduziu quase pela metade a ajuda social para requerentes de asilo. Uma lei recém-criada corta 45% nos benefícios concedidos aos refugiados.

A legislação brasileira define como refugiado aquele que foge de seu país de origem por temor de perseguição – fundado em motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social e opinião política – ou nos casos em que seja comprovada condição de grave e generalizada violação dos direitos humanos.

A Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto do Refugiado, ratificada por 147 países, entre os quais o Brasil, cria obrigações para que os governos permitam a essas pessoas trabalho legal e seguro. Sobre essa questão, a Lei 9.474/97 garante a emissão de carteira de trabalho para os solicitantes de refúgio no Brasil.

Segundo o diretor adjunto do Departamento de Estrangeiros e representante do Conare, Paulo Guerra, a obrigação constitucional com relação à entrada dos refugiados e sua legalização é do governo federal, que está trabalhando para encontrar os problemas e resolvê-los.