Cláudio Mota: Novelas da Globo e a luta política no Brasil

Nesse momento atual, pode-se ver a luta política em curso no País perpassando os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), mostrando a tentativa da oposição em manter o 3º turno das eleições e sua extensão para o campo da subjetividade, especialmente através das novelas da Globo. Mesmo caindo em qualidade e audiência, continuam influentes e são parte integrante da vida da grande maioria da população.

Por Cláudio Mota* 

Cláudio Mota: Novelas da Globo e a luta política no Brasil

É interessante refletir sobre elas, porque os autores pegam ganchos da vida real para justificarem enredos e tramas. Além disso, é bom lembrar que quem escreve, reflete na obra sua visão e filosofia de mundo, e também da empresa aonde trabalha. Vale uma análise sobre “I Love Paraisópolis” e "A Regra do Jogo".

A primeira mantém o tom leve do seu horário. Para isso, humaniza personagens más e situações que na vida real são cruéis, como violência, preconceito, racismo, intolerância religiosa, entre outras. Podemos ver bandidos carismáticos e divertidos. O Grego, interpretado por Caio Castro, seria o cara que manda em Paraisópolis, temido e respeitado (alguma semelhança com traficante?). Mas, passa algo de "bom", caindo nas graças dos telespectadores. Ou seja, humaniza-se um dos principais simbolismos de violência na maior parte das favelas e bairros populares do Brasil.

Em "A Regra do Jogo" podemos ver a extensão da luta política que vivenciamos nos noticiários e redes sociais. Vários diálogos entre o protagonista Romero Rômulo (Alexandre Nero) e a Atena (Giovanna Antonelli) revelam a clara intenção de vincular o que acontece na trama à realidade, sempre buscando associá-lo a quem é ligado às lutas sociais do nosso povo. Ouvimos Atena dizer coisa como: "Você, comunista rico" e "Todos vão saber que o 'companheiro' que ajuda o povo, na verdade é de uma facção criminosa". Como não lembrar da oposição afirmando que o PT disse uma coisa e faz outra.

O protagonista é um ex-vereador, visto como herói em função do seu projeto social de reintegrar ex-detentos à sociedade. Depois, descobre-se sua outra face: mora em uma cobertura luxuosa, tem carros de luxo e esbanja dinheiro. Percebemos como se busca, com isso, fazer alusão à esquerda, especialmente ao PT, que está no comando central do País há mais de 12 anos. Trabalha-se sutilmente sob alguns simbolismos, como Romero vestindo camisas com palavras de ordem bem conhecidas das lutas populares e o enquadramento de cena em que ele aparece ao lado do retrato de Che Guevara, um dos maiores símbolos de luta por justiça social.

Isso revela que o objetivo não é promover alguma reflexão sobre comportamento (como sempre argumentam os autores), mas desqualificar a esquerda.

Novela, televisão e sociedade 

O pesquisador e economista do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o peruano Alberto Chong fez dois estudos (Novelas e fertilidade: evidências do Brasil; e Televisão e divórcio: evidências de novelas brasileiras) para avaliar o impacto das telenovelas na sociedade brasileira, observando o peso sócio-político da TV. Segundo Chong, a novela é o melhor canal para a difusão de ideias sociais. "Nas sociedades em que a alfabetização é relativamente baixa e a leitura dos jornais é limitada, a televisão desempenha um papel crucial na circulação das ideias", afirma.

Para ele, a televisão tem influência enorme em países como o Brasil, onde ainda há forte tradição oral. "Nosso trabalho sugere que os programas orientados para a cultura da população local têm o potencial de atingir uma grande quantidade de pessoas com muito baixo custo e, portanto, poderiam ser usados por políticos para transmitir mensagens sociais e econômicas importantes — sobre aids, educação, direitos das minorias etc", pontuou.

Isso reforça a tese muito debatida na comunicação de que as novelas e a televisão têm a capacidade de reproduzir a realidade, construir novas realidades, criar e destruir mitos, ou reforçar muitos deles. Não é atoa que pessoas reais reproduzem muitos dos trejeitos, figurinos e gestos de personagens marcantes.

Trabalha-se a cultura e os costumes de um povo, uma vez que a nossa vida social é continuamente construída e aprimorada ao longo na nossa convivência coletiva, no real, com a cultura e os meios de comunicação.

Segundo Danillo Assunção (formado em Relações Públicas pela Universidade do Estado da Bahia – Uneb), em artigo publicado no site Observatório da Imprensa, os sistemas simbólicos difundidos pelos meios de comunicação dão visibilidade a fatos sociais pré-selecionados, interferindo no modo de como os sujeitos percebem o que está acontecendo ao seu redor em situações que fogem do alcance dos seus olhos. "A mídia se apoia na realidade vivida pelos sujeitos para depois recriá-la. Todo o esforço realizado pela mídia para que suas construções simbólicas pareçam o verdadeiro reflexo do real é um processo que envolve tensões sociais, conflitos internos e externos, uma relação de poder com a participação dos diversos atores que dialogam com os meios de comunicação", enfatiza.

Assim, podemos conceber que qualquer semelhança entre ficção e realidade não é mera coincidência. Não se pode amar Paraisópolis incondicionalmente e é preciso se ter cuidado com a regra do jogo imposta pela Globo, que sempre atuou politicamente nos momentos efervescentes do país.

*Cláudio Mota é jornalista, publicitário, responsável pelo blog Axé com Dendê