Banco do Brics pode se contrapor ao FMI
Na noite desta segunda (9), o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães ressaltou a importância do Banco do Brics como contraponto ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, “que são instrumento das grandes potências para impor políticas econômicas”, defendeu. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo não só destacou o papel do banco, como propôs que ele seja utilizado para capitalizar a Petrobras.
Publicado 10/11/2015 21:03
Ao lado do também economista Renildo de Souza, eles participaram nesta segunda (9) do primeiro evento do ciclo de debates “Que Brasil é este?”, realizado no Centro de Estudos da Mídia Barão de Itararé, em parceria com a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. As intervenções centraram-se no atual cenário da economia mundial e destacaram a importância do Brics na construção de um novo cenário internacional de disputa de protagonismo.
“O Banco Mundial e o Fundo Monetário sempre foram instrumentos para disciplinar a economia dos países em dificuldades econômicas. Eles faziam um acordo e os países assinavam compromissos de liberalização em geral. Como hoje, na Europa, está lá o FMI, junto com a Comissão Europeia, impondo políticas à Grécia. Ao invés de ser um país impondo a outro, eles criam esse organismo multilateral que impõe as políticas,” disse Pinheiro Guimarães, que é ex-secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores.
De acordo com ele, o Banco do Brics surge então para romper com essa lógica. “O Banco do Brics é algo extremamente importante, porque esse Novo Banco de Desenvolvimento surge com a proposta de fazer empréstimos sem impor condicionalidades políticas. Então você tem nesse projeto uma política que afeta um sistema de controle do Departamento do Tesouro sobre os países periféricos”, avaliou.
Em sua fala, Pinheiro Guimarães destacou ainda a tendência do capitalismo a crises e a desregulamentação e a transnacionalização da economia. E citou a China como “a nova fronteira do capitalismo”.
“A China é um sistema capitalista misto, mas que disciplina o capital estrangeiro. As multinacionais que vão para lá são disciplinadas. Dentro de cada multinacional na China existe um comitê do Partido Comunista, olhando o que está acontecendo. Não é nada solto, que faz o que quer, como em outros países que conhecemos, não é?”, disse, deixando no ar uma crítica ao Brasil.
O embaixador avaliou que, na China, há um sistema “em simbiose” com a economia norte-americana, não só pelos capitais estrangeiros que existem lá, mas pela aplicação das reservas chinesas nos títulos do Tesouro norte-americano.
Ao apontar o gigante asiático como o grande motor do Brics, ele ressaltou que o bloco – que “surgiu como um conceito para definir mercados para investimento e virou um processo político” – não quer criar um novo sistema internacional alternativo.
“Eles não se apresentam assim. Eles querem mudar as regras para ter posições melhores nesse sistema internacional. Eles não se apresentam como revolucionários, mas como reformistas”, afirmou.
Por outro lado, o Brics transformou-se em numa organização política para enfrentar as grandes potências, declarou. “Eles sabem que são um objetivo. Os russos sabem que todo aquele sistema de mísseis em volta da Rússia – e também da China – não é à toa”, colocou.
O embaixador chamou a atenção para o fato de existirem grandes desigualdades entre os países que compõem o bloco. “Você tem Brics e Brics. Tem o grande Brics que é a China. A África do Sul está ali para dar uma cor local. Os outros países têm força econômica diferente e são muito distintos em organização política, força militar, dimensões demográficas e territoriais, influência política – dois são membros do Conselho de Segurança [da ONU], dois têm armas atômicas”, lembrou.
Para ele, é preciso ter em mente que a China tem seus próprios propósitos internacionais. “É uma luta e, nela, é importante ter acesso a mercados, ter acesso a recursos naturais e o controle das vias de acesso. Este é o objetivo americano. E esses são os objetivos chineses. Mas é um pouco diferente, porque os chineses não são expansionistas”, reconheceu.
Apesar de admitir o exagero na comparação, Pinheiro Guimarães disse que, de certa forma, o Brics é uma espécie de OCDE da China. Ao destacar que o país asiático é hoje o principal parceiro comercial brasileiro, ele classificou como um problema o fato de o Brasil não disciplinar o capital estrangeiro.
Falta polarização de esquerda
Professor da Universidade Federal da Bahia, o economista Renildo de Souza avaliou que, diferente do cenário de outros momentos históricos, marcados pela presença da URSS, do movimento operário, do compromisso keynesiano ou dos movimentos nacionalistas, hoje faz falta “uma polarização política avançada de esquerda”.
Segundo ele, seria possível pensar que a China ou o Brics poderia fazer essa polarização progressista, mas o país asiático, avalia, não tem “apetite para esse choque frontal" imediato. “Eles cunharam uma expressão para caracterizar a ascensão chinesa, que é a ‘ascensão pacífica’, quer dizer, evitando uma colisão”, disse.
O economista destacou o objetivo da China de transformar sua moeda, o yuan, em um instituto de reserva internacional, o que representará uma mudança importante no cenário econômico mundial. “Em outubro, estava marcada a reunião do FMI para discutir a inclusão do yuan na cesta que define os direitos especiais de saque, hoje composta por dólar, euro, iene e libra. A reunião foi suspensa, mas é uma grande mudança”, colocou.
Na sua intervenção, Belluzzo – que é professor titular do Instituto de Economia (IE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – também citou a internacionalização do yuan como um fato de relevância. E avaliou que, pelo interesse geopolítico da China, o Brics é uma necessidade, e isso faz com que o bloco tenha boas perspectivas.
Ao falar sobre a importância do banco do bloco, ele sugeriu: “Nós podíamos mandar um projeto para o banco do Brics para capitalizar a Petrobras. O que vocês acham?”. Segundo ele, “a companhia está precisando de capitalização para se reerguer e, na realidade, não contaminar o resto da economia”.
Belluzzo demonstrou a preocupação de que a atual situação díficil da cadeia produtiva do setor de óleo e gás, paralisada por causa das investigações da Operação Lava Jato, se alastre, provocando uma crise bancária.
“Ninguém está pagando ninguém. Os bancos não estão recebendo nada, estão empurrando com a barriga, empurrando para a frente”, disse. Segundo ele, o país está paralisado, “não se mexe”, enquanto os russos têm 50 projetos no Banco do Brics. “Essa ideia de capitalizar a Petrobras deveria ser abraçada pelo governo brasileiro e, com certeza, teria acolhida no banco dos Brics”, encerrou.