Organizar políticas para ter grau de investimento é "tremenda roubada"

Ao alegar recessão econômica, incerteza política e cenário fiscal adverso, a Fitch Ratings, agência de classificação de risco internacional, retirou na última semana o grau de investimento do Brasil, rebaixando a nota soberana do país de BBB- para BB . Em setembro deste ano, a Standard & Poor´s (S&P) fez o mesmo. Já a Moody´s acaba de anunciar que vai colocar a nota do Brasil em revisão para um possível rebaixamento.

Agência de classificação de risco

Frente à investida das três agências de riscos internacionais e em meio à gritaria da mídia, em sua aposta no “quanto pior, melhor”, uma pergunta: qual o impacto, concreto, da perda do investment grade para o Brasil?

O economista Pedro Paulo Zahluth Bastos, da Unicamp, responde: “o custo extra que o rebaixamento da nota poderia implicar é pouco relevante se comparado ao custo econômico do conjunto de iniciativas de ajuste fiscal, realizado sob a justificativa de não perder o investment grade”. Um impacto, dimensiona, “muito inferior ao que a sociedade brasileira irá sentir diante de uma queda da economia de 4% do PIB – estamos falando em algo em torno de R$ 220 bilhões”.

Bastos explica que há três fluxos de capital estrangeiro: o investimento direto externo, destinado à produção de bens e de serviços; o de portifólio, em renda variável (mercado de ações), renda fixa (títulos públicos e privados) e aposta com derivativos; e os “outros investimentos” que incluem os créditos bancários e comerciais de diferentes tipos. E detalha: “a perda do grau de investimento pode influenciar, basicamente, nos investimentos de carteira dos fundos de pensão e fundos mútuos”.

Trata-se, portanto, de um impacto “relativamente pequeno que atingirá as empresas que querem se financiar no exterior e que terão de arcar com alguma elevação de custos”. O economista relata, inclusive, que já havia a preocupação de que o rebaixamento da nota pudesse encarecer a tomada de crédito externo; e que boa parte desse encarecimento já tinha ocorrido, antes mesmo do rebaixamento.

Redução nos investimentos externos

O economista chama a atenção para um outro aspecto nos investimentos estrangeiros no país: a queda de 30% do investimento direto externo neste ano, em comparação com 2014. “Isso se deve, em parte, ao cenário internacional; mas, principalmente, à recessão interna”.

Bastos explica que, ao contrário dos países pequenos, que precisam ser orientados para as exportações, o Brasil tem um grande mercado interno que admite uma escala de mercado para um conjunto de setores econômicos, além de admitir divisão interna de trabalho muito grande. “É basicamente esse estímulo de investimento direto externo que a gente atende. O forte do país é o mercado interno, por isso, se você o retrai, investimento direto externo diminui.”

Além disso, parte do estímulo desses investimentos acaba virando exportação, como o caso das filiais automobilísticas que atendem ao mercado brasileiro e que exportam para a América Latina. E a empresas que procuram exportações recursos naturais para os quais o mercado externo é central de início. “Muitas empresas vêm para o Brasil fazer essa exportação como a Exxon e a Shell no setor de petróleo; a Montsanto, a Bunge, a Cargill no setor de soja, milho, carne. Mas, com o preço das commodities (cotado em dólar) caindo fortemente por causa da crise global, a atração desses investimentos também diminui.”

Segundo Bastos, a recessão interna – consequência das iniciativas tomadas, justamente, para evitar a perda do investment grade – acabou afastando o investimento direto externo que é uma forma de investimento muito melhor do que as aplicações em títulos. “Não tem lógica realizar um ajuste desse nível para evitar a perda do investment grade se ele tem um custo direto para o conjunto da população brasileira e do país”, avalia.

Imposição de um modelo econômico pelas agências de risco

Outro aspecto destacado pelo economista é o imenso poder das agências de risco, três empresas basicamente, muito lucrativas, sediadas nos Estados Unidos, o principal mercado financeiro internacional. Ele conta que, antigamente, quem quisesse avaliar o crédito para fazer um empréstimo comprava o relatório dessas empresas; mas, a partir da década de 1980, a compra da avaliação passou a ser feita pela empresa que queria tomar o crédito. “Há um claro conflito de interesses aí, porque as empresas avaliadoras querem ganhar o negócio das empresas que estão pedindo a avaliação.”

Com essa prática, explica Bastos, as empresas que pedem avaliação podem arbitrar entre uma das três agências de risco para buscar qual irá avaliá-la melhor e a partir de critérios menos rigorosos. “Isso faz com que essas agências tendam a ser muito lenientes com grandes empresas privadas; e, por outro lado, extremamente rigorosas com os países periféricos, sobretudo, os países periféricos que não seguem o modelo de política econômica que elas consideram apropriado.”

Um modelo de política econômica “vinculado ao neoliberalismo, à liberalização geral, à política de austeridade, que vem dando errado no mundo há trinta anos”, avalia. É desta forma, afirma Bastos, que essas agências acabam funcionando como empresas que buscam induzir os países a atenderem às exigências do mercado financeiro. “O país pode ou não aceitar isso. Se o país, eventualmente, realizar outras políticas e crescer, ele pode forçar uma melhoria das condições de crédito, independentemente do que as empresas de avaliação de risco afirmam.”

O Brasil cresceu sem grau de investimento

Bastos destaca que o Brasil se tornou investment grade em 2008, um pouco antes de estourar a crise global. “A grande fase de crescimento do investimento direto externo e do crescimento da economia brasileira até 2008 ocorreu independentemente do investment grade. Isso mostra, mais uma vez, como ele é pouco importante.”

Na avaliação do economista, neste 2015, ficou provada a falácia de se organizar as políticas em função daquilo que as agências consideram importante para ter investment grade:

“O país recebeu menos investimento direto externo, teve uma queda fortíssima do PIB, piorou a arrecadação fiscal, aumentou a dívida em relação ao PIB, piorou a situação de pagamento da dívida, embora tenha buscado realizar tudo isso, exatamente, de acordo com a política que os credores pediam, justamente para que o país não perdesse o investment grade. Uma tremenda roubada.”