“Vejo este incêndio como um recado: cale-se, sua negra”

Com passos firmes e olhos emocionados, Mãe Baiana mostra o que restou do terreiro Ylê Axé Oyá Bagan, no Distrito Federal, que ela levou cerca de 15 anos para erguer. Pouco sobreviveu ao incêndio ocorrido há mais de um mês: paredes destruídas, retalhos do que foi uma toalha rendada e um pedaço de ferro torcido de um atabaque, instrumento de percussão.

Mãe Baiana - Janine Moraes/ MinC

Indignada, a ialorixá se lembra, em detalhes, da madrugada de 27 de novembro. "Estava dormindo. Por volta das 5h da manhã, acordei, ouvi os cachorros latindo e um barulho diferente. Quando abri a porta, vi um clarão. Tentamos apagar o fogo, mas ele se alastrou muito rápido. O fogo veio de fora para dentro", conta, emocionada. 
 
Mãe Baiana, responsável pelo templo incendiado e chefe do Departamento de Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Cultural Palmares (FCP), calcula que, desde setembro, pelo menos sete templos de religiões de matriz africana foram atacados, apedrejados ou incendiados no Distrito Federal e Entorno.
 
Militante contra a intolerância religiosa, Mãe Baiana não apenas acolheu as vítimas dos demais terreiros, como fez questão de denunciar a violência que sofreram em delegacias da região. "Vejo este incêndio como um recado: cale-se, sua negra. Mas eu nunca me calei e nunca vou me calar", afirma. "O mesmo Deus seu é o meu. Destruíram uma vida que levei quase 15 anos para construir. Tudo isso para destruir um Deus que é o mesmo que o deles. Que santa ignorância é essa?", indaga.
 
Doações
 
Abalada, mãe Baiana teme que o local seja incendiado novamente e ainda sofre consequências pelo ocorrido. "Evito o telefone, tenho dificuldades para me concentrar e meu serviço ficou reduzido, mas continuo trabalhando porque sou militante, não posso parar", diz.
 
Além de dar perda total ao templo, o fogo interrompeu atividades realizadas no espaço. No terreiro Ylê Axé Oyá Bagan, Mãe Baiana oferecia cursos de capoeira, música, costura e percussão para crianças do Varjão e Paranoá, comunidades carentes da região. O templo recebia cerca de 1 mil pessoas em dias de festas. 
 
A luta de Mãe Baiana agora é arrecadar doações (veja como doar no fim da página) para reconstruir, no mesmo lugar, o templo de matriz africana. Dos 7 mil tijolos e 150 sacos de cimento necessários, até agora só foram doados 60 sacos de cimento. "Trabalho por mais dez anos, se preciso for, mas vou botar para cima porque é o que o orixá quer", adianta. No centro do que restou do piso, uma muda de melancia já brota do chão.
 
Luta contra intolerância religiosa
 
A luta contra o racismo e contra a intolerância religiosas é pauta prioritária do Ministério da Cultura. "É lamentável mais este ataque a um terreiro no Distrito Federal. Isso cria um clima de intolerância que não é natural do Brasil. Não podemos trazer para o nosso País, de forma alguma, esse tipo de conduta criminosa", afirmou o ministro da Cultura, Juca Ferreira, no dia que ocorreu o incêndio.
 
A presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), Cida Abreu, demostrou apoio à Mãe Baiana e também foi enfática ao repudiar o ocorrido. "É preciso que se entenda, de uma vez por todas, que o preconceito, a discriminação e a violência contra os espaços e os adeptos dessas religiões são crime (Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997) e que esses tipos de episódios não são aceitáveis, nem condizentes com uma democracia", afirmou. 
 
No Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado todo 20 de novembro, durante cerimônia realizada no Quilombo dos Palmares, em Alagoas, o ministro Juca Ferreira e a presidente da FCP reafirmaram a luta e o repúdio do governo contra toda forma de racismo e intolerância religiosa. Na ocasião, a FCP lançou a marca da campanha "Filhos do Brasil", que visa lutar em prol dessa causa. A campanha será oficialmente lançada em 21 de janeiro de 2016, dia nacional de combate à intolerância religiosa.
 
Doações

Ylê Axé Oyá Bagan
Contato: ileaxeoyabagan@hotmail.com
BRB – Banco de Brasília
Agência: 057-AG Paranoá
Conta: 057.039184-9
CPNJ: 111 656 15 0001-94