Comunicação democrática ameaçada 

Nem um mês foi necessário para o novo presidente argentino, Mauricio Macri, promover, por meio de decreto, mudanças radicais na chamada LSCA (Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual). Juízes federais, no entanto, ordenaram na última segunda-feira (11) medidas cautelares interinas que deixaram sem efeito os decretos e restabeleceram a lei que regula a mídia no país. 

Comunicação democrática ameaçada

Contudo, ataques à comunicação democrática preocupam aqueles que reivindicam transparência no setor. O site da UNE bateu um papo com o integrante do coletivo Intervozes, Pedro Ekman, sobre os recentes acontecimentos e o que eles podem significar para o futuro da democratização da mídia.

Confira a íntegra da entrevista:

Site da UNE: A recente desconstrução da regulação democrática na Argentina pode ter reflexos no Brasil? Como evitar que isso aconteça?

Pedro Ekman: O Brasil está muito atrasado em relação à Argentina na construção de uma comunicação democrática. Acho que estamos tão atrasados nesse debate que dificilmente o retrocesso na Argentina nos afeta diretamente. Até por que boa parte das medidas tomadas pelo novo governo são ilegais e a sociedade argentina já está reagindo nos tribunais e nas ruas. Nossos vizinhos já enfrentaram este debate a fundo e de forma pública. A construção da ley de medios foi feita com intensa luta social e esse acúmulo não se desfaz com canetadas. Se a mídia brasileira debatesse os fatos recentes da Argentina para tentar convencer a população de que a regulação da mídia isso já seria um avanço no nosso atual cenário. O problema é que nem o debate querem fazer, querem manter o tema no mais absoluto silêncio. A mídia não usa as medidas no novo governo argentino para tentar convencer a sociedade de que o setor não deve ser regulado, pois sabe que responderemos com declarações da ONU e OEA sobre a importância de uma lei como essa para se assegurar a liberdade de expressão, a diversidade e a pluralidade de pontos de vista em circulação. Eles não levantam o debate pois sabem que perdem diante dos argumentos e dos fatos.

Parece haver uma guinada à direita na América Latina nos últimos tempos. Percebemos isso na Venezuela, no Peru, na Argentina e mesmo no Brasil. De que forma essas mudanças políticas refletem no setor da comunicação?

Com o avanço de forças políticas conservadoras a comunicação vai sofrer retrocessos da mesma forma que outros setores ligados aos direitos humanos. A educação vais ser afetada, assim como a questão agrária, ambiental e outras tantas. A América Latina, diferentemente da Europa, naturalizou de forma absurda a comunicação de massas como algo comercial e privado. Com governos progressistas esse quadro começou a mudar e os interesses públicos e comunitários passaram a ter vez na comunicação social. Com a mudança do quadro político voltamos para um cenário onde falar e ser ouvido deixa de ser um direito universal e passa a ser um privilégio de poucos empresários.

A concentração midiática nas mãos de poucas empresas são um entrave à democratização em nosso país. Quais são as perspectivas para mudar essa realidade neste ano de 2016?

Para democratizarmos a comunicação precisaríamos fazer o quer foi feito na Argentina e no Uruguai na história recente e na Europa há muito tempo. Precisamos de leis que definam regras para que se cumpra a Constituição Federal, isso é regular a comunicação: definir regras para que os objetivos definidos na Constituição se efetivem. Mesmo sem um novo marco regulatório muita coisa pode avançar com as leis que já estão em vigor e não são cumpridas pelas empresas e nem fiscalizadas pelo governo em um verdadeiro jogo de interesses. Dezenas de parlamentares possuem ilegalmente licenças de rádio e TV, diversas empresas alugam e vendem suas licenças em operações flagrantemente ilegais e outras tantas infrações de grande monta são cometidas todos os dias a luz do dia em em cadeia nacional, aos olhos e ouvidos de todos e nenhuma providência é tomada por parte do Estado. A sociedade civil está mobilizada para colher assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular e também está movendo ações na justiça junto com o Ministério Público Federal para que os grandes meios também sejam obrigados a cumprir a lei. Na Argentina e no Brasil a população se movimenta para fazer valer os seus direitos.