A Celac, a Agência Brasil e uma piada lusitana 

Nesta quarta-feira (27), foi realizada a 4ª Cúpula da Comunidade dos Estados da América-Latina e do Caribe (Celac), evento de transcendental importância na região, principalmente devido ao momento conturbado da economia mundial. 

piadas

Nenhum dos 33 Estados membros (que inclui todos os países da região menos Canadá e Estados Unidos) faltou ao encontro e a crise econômica foi o tema predominante. O presidente Nicolás Maduro, por exemplo, propôs a criação de um plano tático anti-crise para a região. A presidenta Dilma Rousseff também abordou o tema concordando, no fundamental, com Maduro. Disse a presidenta: “o Brasil não conseguirá restabelecer as suas condições sustentáveis de crescimento nesse novo contexto internacional, sem o crescimento dos demais países da América Latina. Sem que os demais países da América Latina tenham também condições de se recuperar”. Dilma propôs ainda aos países-membros uma ação de cooperação no combate ao vírus da zika e à microcefalia.

Contundentes pronunciamentos políticos

Outros temas bastante ressaltados foram o combate à fome e o apoio ao processo de paz entre o Governo colombiano e a Farc. Não faltou do mesmo modo o debate político. O esperado embate entre a Argentina de Macri e a Venezuela de Maduro não aconteceu pois a vice-presidenta da Argentina, Gabriela Michetti (o presidente argentino não compareceu por problemas médicos) não fez ataques públicos à Venezuela. Porém, Rafael Corrêa, presidente do Equador e condutor dos trabalhos, em seu pronunciamento de abertura não teve papas na língua. Na presença da direitista vice-presidenta argentina, recordou que o prédio onde estavam realizando a 4ª Cúpula leva o nome de Néstor Kirchner, “este grande argentino que, com junto com Hugo Cháves foi o impulsionador da integração dos nossos povos”, sem esquecer de citar mais adiante a ex-presidenta Cristina Kirchner. Em seu rico e abrangente discurso, Corrêa, ao saudar o processo de paz na Colômbia, salientou, no entanto, que “a paz não é só a ausência de guerra; a paz deve ser, sobretudo, presença, presença de justiça, dignidade, de oportunidade para todos”.

Importantes resoluções

Evo Morales pediu a unidade entre os governos “anti-imperialistas” e o primeiro vice presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros de Cuba, Miguel Díaz-Canel (Raul Castro não compareceu à 4ª Cúpula também por orientação médica), opinou pelo fortalecimento da Celac como instrumento fundamental de integração, e partiu em defesa da revolução bolivariana:“Reiteramos nosso mais sólido apoio à República Bolivariana da Venezuela, vítima de uma complicada situação econômica internacional, agravada por uma prolongada guerra econômica, midiática e psicológica, e numerosas ações desestabilizadoras apoiadas e alentadas desde o exterior”. Sobre o Brasil, disse o dirigente cubano: "Estendemos a Dilma Rousseff e ao povo brasileiro nossa solidariedade e apoio na batalha que enfrentam para defender as conquistas sociais e políticas dos últimos 13 anos". Ao final, foram aprovadas cerca de 20 resoluções políticas, entre elas a exigência do fim do bloqueio comercial, financeiro e econômico a Cuba, a devolução aos cubanos do território de Guantánamo onde os EUA têm uma base militar, o apoio ao processo de paz na Colômbia, o apoio à soberania da Argentina sobre as Ilhas Malvinas ocupadas pela Inglaterra, um plano de ação para a Celac em 2016, um plano para erradicação da fome na região até 2025, entre outras. Em um ambiente onde qualquer resolução para ser aprovada deve ter consenso unânime de todos os países presentes, o conteúdo progressista das resoluções e da maioria das intervenções mostra que a onda conservadora tem no processo de integração da América Latina e Caribe um grande adversário. Para informações mais detalhadas leia o artigo “Celac: Corrêa vai pra cima e Maduro propõe plano tático anti-crise”.

Celac, mídia hegemônica e a Agência Brasil

Um dos aspectos mais positivos da experiência da esquerda em nosso continente nestes últimos quinze anos foi justamente o processo de integração soberana dos países da América Latina e do Caribe. Os governos Lula e Dilma tem inegáveis méritos nesta construção. Por conta disso e de muito mais, a mídia hegemônica, como faz em todas as Cúpulas da Celac, diz que esta foi “esvaziada”. Na verdade, mal consegue esconder a nostalgia pelos “velhos e bons tempos” da OEA, quando Cuba era excluída e predominava o espírito que Fidel Castro chamava – e Rafael Corrêa recordou agora – de “ministério das colônias”. Onde se buscar então informação pluralista e isenta sobre um evento desta magnitude? Ora, uma fonte obrigatória para isso é a Agência Brasil, pois a Empresa Brasileira de Comunicação, em sua parte institucional, nos garante que a Agência Brasil deveria produzir "conteúdos diferenciados e complementares aos canais privados". Confiantes nesta promessa partimos para a pesquisa. A 4ª Cúpula da Celac aconteceu no dia 27, vamos então vasculhar a Agência Brasil no dia 26 – noticiando as expectativas e preparativos do encontro – no dia 27 – abordando o próprio evento – e no dia 28 – com a repercussão dos trabalhos. No dia 26, véspera do evento, só duas matérias aparecem e apenas uma tinha o evento como notícia principal e na outra a menção à Cúpula do Celac era apenas circunstancial: "Dilma vai hoje ao Equador para participar da cúpula da Celac" e "Dilma e Correa negociam ligação entre a Amazônia e o Pacífico equatoriano". No dia 27 três matérias: “Maduro quer ajuda da Celac para enfrentar crise econômica na Venezuela” (como se vê, um título que deturpa a proposta bem mais abrangente do presidente venezuelano), "Dilma reforça necessidade de intensificar cooperação econômica na América Latina" e "No Equador, Dilma diz que governo vai ter extremo empenho contra o Zika". No dia 28, zero notícia sobre a Celac. "Mais nada" (?), pergunta o incrédulo leitor, "nenhum especial, entrevistas com os presidentes e ministros presentes, divulgação dos principais trechos dos discursos, nada sobre as resoluções, nenhuma matéria sobre os desdobramentos?". Mais nada, amigos, pelo menos até às 06h46m do dia 29.

600 milhões que não valem 1

A coisa só piora se formos olhar apenas a editoria Internacional da Agência Brasil (a partir de agora também chamada de AB). A América Latina e o Caribe são tão desimportantes para esta editoria da AB que nestes três dias citados, durante os quais acontecia um importante evento político que mobilizou mais de 90% dos países, foram apenas três menções à região. Uma é aquela do Maduro "pedindo ajuda" as outras duas são "Vírus Zika é detectado em turista dinamarquês que esteve na América Latina" e "Colômbia emite alerta de expansão do vírus Zika", ambas notícias veiculadas no dia 27 (quarta-feira), dia em que estava acontecendo a "insignificante" cúpula da Celac. Mas deve se salientar que no dia 27 a editoria Geral da AB publicou uma matéria sobre a América Latina! Viva! Título: "Países do Mercosul vão debater combate ao vírus Zika". A America Latina e o Caribe, região com mais de 600 milhões de habitantes, perde em destaque na editoria internacional da Agência Brasil para uma única e poderosa pessoa, o presidente dos Estados Unidos Barack Obama, que apareceu neste mesmo período em três manchetes e sempre em menções favoráveis e sempre com o nome em destaque: "Obama acaba com regime de isolamento para jovens presos" (dia 26), "Obama pede pressa nas pesquisas sobre o vírus Zika" (dia 26), "Obama entra na polêmica sobre a presença de artistas negros no Oscar" (dia 27).

Liga pro Obama Edinho!

O absurdo não acaba por aí. As matérias sobre a América Latina da editoria internacional da AB são, em sua imensa maioria, da "Agência Lusa", uma agência paraestatal portuguesa. Já das três matérias mencionadas que citam em contexto favorável o presidente dos EUA, duas são do correspondente da Agência Brasil. Ou seja, a AB tem correspondente nos EUA mas para falar dos países vizinhos é preciso uma agência européia… O pessoal da Agência Lusa deve morrer de rir, mas já que o clima é esse que tal o querido ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) Edinho Silva dar uma ligadinha para o Obama? Quem sabe o presidente estadunidense não conhece alguém influente na Agência Lusa? Daí o Ministro liga pra essa pessoa indicada pelo Obama e pede para a Agência Lusa dar um pouco mais de destaque à América Latina. Afinal, Edinho, você pode argumentar com os lusitanos que o Brasil fica nesta parte do continente (talvez o pessoal da Agência Lusa não saiba e essa informação pode ser importante), e que nem tudo aqui é o Zika. E já que o ministro vai estar com o telefone na mão talvez ele aproveite e convença o pessoal da Agência Lusa a tratar o Nicolás Maduro e outros líderes da região com a mesma boa vontade com que trata o presidente dos EUA (atenção Edinho, Obama não pode saber que você usou o nome dele para pedir essas coisas que estamos sugerindo, senão ele vai ficar zangado). E aí, pelo menos enquanto a Agência Brasil não é estruturada e orientada para uma cobertura que não seja burocrática e "copia e cola" da América Latina e Caribe, vai reproduzindo da Agência Lusa coisas menos medíocres. Não custa tentar Edinho. Ora, pois, pois…