Brasília: capital do Brasil e da resistência cultural também

A cultura popular em Brasília foi, desde a inauguração da cidade nos anos 1960, combatida e ocultada como o reflexo mais claro da luta de classes no Brasil.

Por Gustavo Alves

carnaval Brasilia

Por ser uma cidade planejada, seu planejamento refletiu o contexto político do momento afastando os candangos para cidades distantes do plano Piloto. Uma versão sofisticada e moderna dos guetos.

Durante a sua construção, ainda em 1958, a cultura se abrigava na Fundação da Casa Popular. Era assim chamada a região que hoje compreende as imediações da 713 Sul. Foi lá a primeira residência do adolescente e músico Jesiel Motta, que chegou a Brasília em 1958. Como Jesiel, o carnaval surgiu por aqui ainda antes da inauguração. “E com uma bela diferença: ninguém tinha condições de viajar. Por isso, naqueles quatro dias, a cidade ficava lotada.”

“No meu primeiro ano, cantei nos galpões da Cidade Livre (Núcleo Bandeirante) e no baile do Brasília Palace Hotel”, lembra o cantor. “Nas ruas, a festa era tímida ainda. Mas, nos acampamentos, acontecia uma folia nas cantinas”, conta o pioneiro. “Podem conversar com o Fernando Lopes também. Até onde eu saiba, só sobrou eu e ele”.

O cantor Fernando Lopes veio de Piracanjuba (GO), em 1959, para ser o primeiro artista contratado da Rádio Nacional de Brasília. No ano seguinte, viu o primeiro carnaval “oficial” acontecer na cidade, ainda não inaugurada. “Foi no Núcleo Bandeirante. Tinha uma tenda de circo montada e fizemos a festa ali”, recorda-se. A folia, uma iniciativa da Novacap, reuniu candangos e engenheiros e foi transmitida pelo rádio.

“Eu cantei várias canções, a maioria marchinhas”, diz Fernando. A música ficou por conta do conjunto da Polícia Militar, regida pelo maestro Deodato, e clássicos como Nós, os carecas, Garota bossa nova e Mamãe, eu quero deram as caras.

Com a inauguração da cidade, o Carnaval foi para as ruas como escolas de samba.

Em 1962, a escola de samba Alvorada em Ritmo foi escolhida a melhor de Brasília após desfile de cinco conjuntos carnavalescos pelas avenidas ainda empoeiradas da cidade. A agremiação seria destaque também em 1963 e 1964. Nos anos seguintes, de 1965 a 1969, só deu a Unidos do Cruzeiro. A escola, conhecida posteriormente como Aruc, é a mais tradicional e a maior vencedora dos carnavais da cidade.

Mas os anos 1960 também trouxeram os tristes anos da Ditadura, onde as liberdades, a luta popular e a cultura do nosso povo passaram para a clandestinidade.

Apesar do planejamento segregacionista e a repressão cotidiano da Ditadura, que sufocou a cidade por mais de 20 anos. A resistência política e cultural sobreviveu e cresceu.

Um exemplo emblemático foi o lançamento do Bloco Pacotão, que surgiu em 1978, época da ditadura militar, como forma de extravasar a falta de liberdade. Nasceu em um clube e levou em seu primeiro dia 150 pessoas para as ruas. Hoje o Pacotão discute não só a política, mas todos os temas de maior repercussão.

"O Pacotão foi colocado na rua por muita gente, desde o primeiro dia, mas nasceu ali no clube. O objetivo era colocar um bloco de sujos na rua que fosse uma contestação ao regime militar". David Renault, então diretor da Faculdade de Comunicação da UnB.

Depois do Pacotão, surgiram muitos outros blocos, para todas as tribos, todos os gostos e todas as lutas. Em defesa de democracia, da diversidade e da alegria.

O mais recente exemplo é o Bloco Pimenta no Cunha dos Outros, que tem em seus integrantes militantes da UJS, da UNEGRO, da UNA-LGBT, do PCdoB, PT e outros partidos e que traz a sintomática identificação de “Bloco Anti-Coxinha”.

Mais uma vez o povo e sua cultura mostram que, apesar do poder das elites, na economia e nas grandes empresas de comunicação, a resistência é a palavra de ordem, no Brasil e na capital dos brasileiros também.

De Brasília, com informações do Correio Braziliense e da ARUC