Diógenes Júnior: O reencontro da torcida com a vitória

“Preso a canções
entregue a paixões
que nunca tiveram fim
vou me encontrar
longe do meu lugar
eu, caçador de mim…”
(
Caçador de Mim  – Milton Nascimento)

Por Diógenes Júnior*, especial para o Vermelho

Parque São Jorge, 27 de outubro de 1982

Uma nação vivendo sob a angústia e o arbítrio de uma ditadura militar que já durava 18 anos assistiria nos gramados do Parque São Jorge um outro espetáculo além do futebol.

Entraria em campo o espetáculo em prol da construção de um movimento para a redemocratização do Brasil.

No dia 27 de outubro de 1982 o Sport Clube Corinthians Paulista pisaria o gramado do Parque São Jorge para jogar contra o Esporte Clube São Bento de Sorocaba vestindo uma camiseta com os dizeres “Dia 15 Vote” às costas, dizeres alusivos ao sufrágio que ocorreria em todo o país no dia 15 de novembro, naquelas que seriam as primeiras eleições para governador de estado desde o fatídico golpe de 1964.

“Na falta da venda efetiva desse espaço, o Corinthians resolveu utilizar o espaço para imagens e mensagens de motivação política. Tinha espaço regulamentado e não vendido. Aí aprovou-se essa mensagem”, disse à época o jornalista e historiador Celso Unzelte sobre a mensagem na camiseta.

O placar foi vitorioso para o Corinthians e sua Democracia Corinthiana: 2×1.

Mas o espetáculo não parou por aí.

A camisa foi usada ainda no empate de 0x0 no clássico contra o Palmeiras, no dia 30 de outubro, e também nas vitórias de 5×1 sobre o Juventus, no dia 3 de novembro, 3×1 contra o Santo André, no dia 7, e 4×0 sobre o Taubaté, no dia 10 de novembro.

Curiosamente o time não jogou a rodada de final de semana, nos dias 13 e 14 de novembro, vésperas das eleições.

Mas a camisa lhe deu sorte, tanto que o clube sagrou-se Campeão Paulista naquele ano de 1982.
O Corinthians ainda usaria em outras oportunidades camisetas e faixas com palavras de ordem que constrangeriam a ditadura, protagonizando um importante papel na luta pela redemocratização de nosso país.

Não podemos deixar de nos recordar das célebres camisetas “Eu quero votar para presidente” ou mesmo “Diretas Já”, ostentadas por uma equipe de atletas capitaneada por Sócrates, Casagrande, Vladimir e Zenon, um grupo de atletas politizados que constituiu o maior movimento político e ideológico da história do futebol brasileiro.

Estádio de Itaquera, 14 de fevereiro de 2016

​A Gaviões expressou sua indignação contra o governo Alckmin, a Rede Globo e a Federação Paulista de Futebol.

“Me dê a mão, me abraça
viaja comigo pro céu
sou Gavião, levanto a (faixa)
com muito orgulho pra delírio da Fiel”

(Samba Enredo do Carnaval de 1995  – Grêmio Gaviões da Fiel Torcida)

Um estado de São Paulo vivendo sob a angústia e o arbítrio de uma governo autoritário que já dura mais de 21 anos assistiu nos gramados do Itaquerão um outro espetáculo além do futebol.
A Torcida Gaviões da Fiel organizou um protesto contra o governo Geraldo Alckmin, contra a Rede Globo e contra a Federação Paulista de Futebol denunciando o desvio de merenda escolar, os horários absurdos em que são realizados os jogos e o preço alto dos ingressos praticados nos estádios.

Utilizando faixas, a tradicional torcida do Corinthians expressou sua indignação contra o governo Alckmin, cujo chefe da Assembléia Legislativa, Fernado Capez, elegeu-se deputado estadual empunhando a demagógica bandeira da criminalização das torcidas organizadas e seu banimento dos estádios de futebol.

Fernando Capez e outros membros do governo Alckmin se vêem às voltas com seus nomes envolvidos em um enorme escândalo de desvio de verbas para a merenda escolar da rede pública estadual.

Gavião não respeita tucano ladrão de merenda escolar

Já a Rede Globo foi alvo de protesto por monopolizar a transmissão do futebol e tratá-lo como se fosse uma mercadoria cuja única finalidade é aumentar seus já astronômicos lucros, desrespeitando o torcedor e obrigando-o a sujeitar-se a assistir aos jogos de seu time do coração em horários absurdos, totalmente incompatíveis com a realidade da população.

Tudo isso para não modificar sua grade de programação que contempla novelas de gosto duvidoso e programas de igual teor superficial.

A Federação Paulista de Futebol figurou como alvo dos protestos por conta dos preços dos ingressos praticados pela entidade que comanda o futebol no estado de São Paulo.

A Federação comercializou ingressos do setores Oeste Superior a R$ 120,00 e Inferior a R$ 180,00, valores que, convenhamos, são exorbitantes em um país onde o salário mínimo é de R$880,00.

Dos dois episódios de protestos, cada um à sua maneira e separados por mais de 32 anos, podemos tirar algumas lições.

Podemos observar que o povo, mobilizado, faz diferença.

Quer seja dentro de um estádio protestando com faixas, quer seja numa assembleia dentro de um sindicato lutando por melhores salários, quer seja ocupando uma escola com o objetivo de impedir seu fechamento.

Podemos reiterar a força que o futebol ainda representa, a despeito de tanto mal que a CBF causou, apesar da vexatória derrota por 7×1 na Copa do Mundo, apesar da intenção da Rede Globo de pasteurizar o futebol de maneira a torná-lo apenas uma atração menor na sua grade de programação, controlável aos seus moldes e sem encantos maiores.

Foi pensando mais uma vez no meu filho, Fidel – que virá ao mundo em junho –, e com profunda admiração e orgulho pela torcida que mais uma vez se mostrou tão politizada e aguerrida, que escrevi esse artigo, uma pequena homenagem que faço para torcedores tão apaixonados quanto sofridos e criminalizados.

Meu desejo é que, assim como eles, Fidel também escreva, como esses torcedores escreveram, mais uma linda página na História e nos gramados, palcos e estádios dessa vida.