Vandré Fernandes: Um suburbano Sortudo

Rir no cinema com filmes brasileiros é mais velho que andar para frente. As chanchadas arrastavam multidões para ver Oscarito e Grande Otelo, Ankito, Dercy Gonçalves. Depois vieram Mazzaropi e os Trapalhões, sem falar de outros tantos atores e atrizes.

Por Vandré Fernandes*, no portal da UJS

Um suburbano sortudo - Divulgação

A partir do ano 2000, as comédias coproduzidas com a Globofilmes ganharam destaques e quase todas, e por pior que seja o filme, acabam ultrapassando 1 milhão de espectadores.

É o caso de Um Suburbano Sortudo, de Roberto Santucci, que em uma semana levou 300 mil pessoas as salas de cinema.

A fórmula de Santucci é conhecidíssima das comédias americanas e das novelas brasileiras. Um jovem pobre herda toda a riqueza do pai que ele não conhecia e, da noite para o dia, o camelô Denílson (Roberto Sant’anna) vira um milionário.

O filme tem algumas tiradas engraças como a ida de Denílson num restaurante vegetariano e seu diálogo com o dono do estabelecimento que nem abobrinha come mais devido à quantidade de açúcar.

Outras tiradas surgem com um tom mais crítico.

A primeira é que a empresa bem-sucedida do pai de Denilson passa por uma mudança de público consumidor. O que antes era destinada para a classe E, D e C, faz um giro e migra suas vendas para o público da classe A e B. Como diz o presidente da empresa “se der errado, a gente coloca o problema na crise econômica e no governo brasileiro”. A outra fica por conta de Denílson, quando está fazendo um discurso e é interrompido por alguém, e ele fala: “Sem essa do ‘policiamento’ correto”. Associando o politicamente correto com o patrulhamento coercivo que se instalou na sociedade nos últimos anos.

Mas o filme não se sustenta. Muito centrado no ator Sant’Anna lembra o programa Zorra Total, cheios de estereótipos, que ri da massa excluída, que ri da elite do país e que ri do espectador.

Nem mesmo os diversos personagens que o Sant’Anna faz são interessantes, consegue apenas lembrar de Ed Morf Norbit como uma tentativa frustrada.

Diálogos escatológicos, arrotos e peidos servem para aproximar Denílson de sua amada Sofie (Carol Castro). É quase uma total desarmonia e que nos causam saudades das velhas comédias da Cinédia ou da Atlântida.

O filme valoriza da exclusão social da chamada ostentação, como diz na música: “E ter a consciência que o pobre tem seu lugar”, se referindo à favela. Dados da empresa de pesquisa Consulta Popular dizem que o consumidor da classe E, D e C não quer mais mudar da periferia, da favela, dos guetos, o que ele quer é consumir tudo de bom e do melhor e viver aonde mora desde sua infância. Ou seja, perdeu a força da mudança, da transformação e da superação. É por isso que a juventude, mesmo universitária carrega em seu linguajar as frases “Nóis vai”, “Nóis é foda, por que na quebrada foi isso que nos 'ensinaro”. Uma aceitação da exclusão cultural e educacional que a elite impôs ao país durante anos. Isso está bem representado no filme.

Mas a elite também é tratada com escárnio. Eles são todos maus, pensam em dinheiro o tempo todo, mas são idiotas, antissociáveis, sem nenhum sentimento. E se tem algo que a elite brasileira não tem é a idiotice. São capazes de se unir para dar golpes, destruir patrimônios nacionais, como ocorre no caso da Petrobras e assim por diante.

Talvez a única coisa substancial no filme, mas não é de fácil leitura, é que não há possibilidade de um Denílson conviver com a família rica e vice-versa. Mas isso um filósofo alemão já tinha dito antes: “não existe conciliação de classe”. Pena que muita gente e muito partido político por aí não entenderam a tal frase, não é mesmo?