Sandra Helena de Souza: A luta que nos cabe

Por *Sandra Helena de Souza

Diante do explosivo momento por que passa o País, inflexão tanto ansiada quanto temida, causa espécie uma diatribe lançada aqui e ali, proveniente dos mais variados meios, contra o clima de ‘fla x flu’ que toma redes e ambientes sociais com o risco iminente, por óbvio, de que as ‘torcidas’ se lancem às vias de fato, com resultados fatais, com redundância e tudo.

Ora, a quem querem enganar essas almas de candura? Contam-se entre seus mais eminentes arautos: intelectuais acometidos de histeria crônica (aqueles que querem entender todos os pontos de vista numa síndrome de weberianismo mal-tratada), os ‘isentões’ enojados com tudo o que aí está (mas que só se pronunciam em seus canais de emissão contra um dos ‘times’), os claramente ignorantes (no sentido técnico e não moral do termo), e a mídia tradicional.

Antes de avançar, um parêntese: nas carreiras do Judiciário, tanto entre os atores centrais como entre os observadores, a falácia da neutralidade já se dissipou abertamente desde o controverso julgamento da AP 470 que desmascarou a partidarização das eminências togadas de modo que agora não apenas advogados ficam na torcida para que o processo caia nessa ou naquela vara, ao sabor dos humores dos juízes, como a nação se acotovela diante da televisão para divertir-se quando a mais alta corte do País se pronuncia sobre temas de relevância, torcendo, sem entender bem as tecnicalidades.

É uma experiência impagável acompanhar a cobertura de um julgamento do STF pelas redes. E há ‘operadores’ que se insurgem contra o fato de todos virarmos ‘especialistas momentâneos’ em Direito, um know-how que só a eles cabe como prerrogativa. Senhores, façam favor, nos poupem desse atavismo elitista. Quando juízes e procuradores beatificados participam de eventos políticos e religiosos (de determinados, claro) e conclamam a ‘sociedade civil organizada’ a ajudá-los na dura tarefa de livrar o País do ‘caos’, nada mais resta aos mortais comuns senão torcer ou lutar, lutar, sem tréguas, pelas suas convicções.

Agora a imprensa. Para quem já ouviu falar do manchetômetro, é quase tedioso assinalar a contribuição para o clima de beligerância contra um dos lados nos jornalões (impressos e portais) do País. Se alguém se dispuser, durante uma semana, a assistir apenas ao telejornalismo de Globo, Band, SBT, Record, Rede TV (abertas) e ouvir CBN e Band News, a intoxicação é irreversível. Por favor, não há mais espaço para hipocrisia.

Ora, o próprio sistema de justiça já mandou às favas a imparcialidade. Os editoriais se esquizofrenizam a tal ponto que o leitor dorme ‘garantido’ e ‘acorda’ caprichoso.

Não, jovens, não é vergonha tomar parte. Vergonha é esconder o partido que você toma atrás do slogan ‘sem partido’. Vergonha é esconder suas paixões, as baixas e altas. O momento atual desnuda vestais e mendigos. Impossível esconder-se.

Haverá no futuro, a depender dos desdobramentos, aqueles que dirão: ‘eu sabia que terminaria assim’. Mentira. Estarão mentindo para posar de espertos. Esse é um daqueles tempos cruciais que darão livros, filmes e teses. E sim, você estará lá. Pela ação ou pela omissão. Pelo erro ou pelo acerto. Nos vemos no futuro.

*Sandra Helena de Souza é Professora de Filosofia da Unifor; membro do Instituto Latino-Americano de Estudos sobre Direito, Política e Democracia (ILAEDPD)

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