1954 – Câmara derrota tentativa de impeachment de Getúlio Vargas
Um episódio mal conhecido da história republicana ocorreu em 1954 mas ficou eclipsado pela crise final do governo de Getúlio Vargas, que terminou em 24 de agosto daquele ano, com o suicídio do presidente.
Por José Carlos Ruy
Publicado 13/04/2016 18:16
Trata-se da tentativa de impeachment contra o presidente Getúlio Vargas, ocorrida em 1954, e que fez parte da investida da direita contra mudanças políticas e sociais no Brasil.
Foi a primeira vez em que se usou a Lei de Impeachment (Lei nº 1.079/1950) contra um presidente da República. Aquela lei, adotada no último ano do governo direitista do marechal Eurico Gaspar Dutra (foi publicada em 10 de abril de 1950) e pode-se supor que, naquela conjuntura (em que era provável vitória de Getúlio Vargas nas eleições presidenciais marcadas para 3 de outubro daquele ano) foi feita justamente para permitir a remoção do poder de um presidente que ameaçasse os interesses e privilégios dos setores mais reacionários da classe dominante.
A candidatura de Vargas naquele ano era certa, e a direita temia sua vitória (como, hoje, teme a vitória de Lula em 2018). A Lei do Impeachment foi adotada no mesmo contexto em que o jornalista e líder direitista Carlos Lacerda escreveu, no jornal Tribuna de Imprensa, a frase que melhor exprime o espírito golpista dos setores reacionários contra a estabilidade política e contra os governos progressistas e avançados, ontem e hoje: Vargas “não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”.
A crise do segundo governo Vargas (1951-1954) foi das mais sérias da história da República. O embate entre a direita (aqueles que, em nossos dias, são chamados neoliberais) e os desenvolvimentistas liderados por Getúlio Vargas foi intenso – e mortal.
As acusações feitas pela direita (e pelo jornal O Globo que, como hoje, era porta-voz militante da conspiração golpista) eram semelhantes às que, em nossos dias, são feitas contra a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Getúlio Vargas era acusado por ter nomeado João Goulart para o ministério do Trabalho e concedido, no início de 1953, um aumento de 100% no salário mínimo; de planejar implantar uma “república sindicalista”; de conceder apoio financeiro do Banco do Brasil ao jornal Última Hora, de Samuel Weiner.
O aumento no salário mínimo provocou de imediato a fúria de militares que, em fevereiro de 1953, divulgaram o chamado Manifesto dos Coronéis, alegando, inclusive, que o aumento do salário mínimo significava desprestígio para os militares e “uma aberrante subversão de todos os valores profissionais”, pois sua equiparação ao salário de um oficial prejudicaria “qualquer possibilidade de recrutamento, para o Exército, de seus quadros inferiores”. Qualquer semelhança com reações atuais de setores conservadores contra a presença de empregadas domésticas e outros trabalhadores em shoppings, aviões, universidades, etc., não é mera coincidência!
Também acusavam Vargas, em 1953, de agir para unir a América do Sul numa frente nacionalista (mais precisamente o que então se chamava de ABC: Argentina, Brasil e Chile) para fortalecer a soberania regional e permitir a estes países melhores condições para enfrentar as investidas do imperialismo dos EUA. De novo, qualquer semelhança contra as diatribes da direita contra o Mercosul não é mera coincidência.
Mas a acusação feita contra Vargas que fundamentou o pedido de impeachment contra ele atendia diretamente aos interesses da mídia monopolista (principalmente O Globo e os Diários Associados, de Assis Chateaubriand) – Vargas teria apoiado o jornalista Samuel Weiner com empréstimos do Banco do Brasil que permitiram a criação do revolucionário diário Última Hora, um marco inovador na imprensa brasileira, que ameaçou diretamente a mídia monopolista.
Cresciam então as denúncias do chamado “mar de lama”, contra Getúlio. E o inefável Carlos Lacerda, através da Tribuna da Imprensa, e de O Globo, era campeão nessas mentiras contra Getúlio Vargas.
O processo de impeachment contra Vargas foi apresentado à Câmara dos Deputados em 1953. O autor da proposta foi Wilson Leite Passos, militante de extrema-direita da UDN (União Democrática Nacional), antepassada do PSDB de hoje. Passos, que mais tarde foi deputado pela UDN, era raivosamente anticomunista; orgulhava-se de ser dono de uma pistola alemã Walther, que teria pertencido a um oficial alemão durante a 2ª Grande Guerra e devia ter matado “muito russo, muito comunista'', disse Passos muitos anos depois numa entrevista ao jornalista Mário Magalhães.
O pedido de impeachment foi votado em 16 de junho de 1954, numa sessão com a participação de 211 deputados –136 votaram contra ele, a 35 votos, e 40 se abstiveram.
A crise não terminou na derrota do impeachment. Ela prosseguiu naquele ano, com sucessivas e crescentes acusações contra Getúlio Vargas e tentativas de afastá-lo do poder – por um golpe ou renúncia do presidente. Ontem, como hoje, o vice-presidente João Café Filho se envolveu desavergonhadamente na conspiração golpista. E a crise acabou – ou melhor, foi adiada por uma década – com o suicídio de Vargas na madrugada de 24 de agosto de1954.
Mas esta já é outra história. Trágica e que, hoje – passados mais de 60 anos – não se repetirá. A direita, descendente direta dos golpistas de 1954 e 1964, será derrotada e o Brasil vai consolidar a democracia e avançar no rumo da igualdade e das conquistas sociais há muito exigidas pelos brasileiros.