Cantigas de acordar mulher
O poeta comunista Geir Campos é um desses raros que consegue unir o esmero artístico e literário com a expressão de um agudo conteúdo artístico de fundo político e social. Do ponto de vista formal, colocou sua arte a serviço da luta democrática e social, e foi autor destas magníficas Cantigas de Acordar Mulher, publicadas em 1964.
Publicado 03/06/2016 16:40

Em 1962, ele foi um dos organizadores, juntamente com outro poeta, Moacyr Félix, dos Cadernos do Povo Brasileiro, Violão de Rua, publicados pelo Centro Popular de Cultura (CPC) da Une juntamente com a editora Civilização Brasileira. Suas Cantigas de Acordar Mulher – na verdade oito poemas – mantém, passado meio século, toda atualidade poética, política e social, sendo uma veemente condenação da opressão, uma exaltação da igualdade e da liberdade da mulher.
Prosa Poesia e Arte selecionou algumas delas:
4ª cantiga de acordar mulher
Bom é sorrires, olhar
em mim: não vês
o inimigo, o rival
jamais.
Na caça, não serás
a presa; não serás,
no jogo, a prenda.
Partilharemos, sem meias
medidas,
a espera, o arroubo, o gesto,
o salto, o pouso e o sono
e o gosto desse rir
dentro e fora do tempo
sempre que nova
……………………….mente
Acordares
7ª Cantiga de acordar mulher
Se te chamarem flor
toma cuidado:
vê se não é gente que te quer por
numa redoma – lindo objeto – a vegetar
alheia a tempo e lugar!
Se te chamarem flor,
acorda e toma cuidado:
olha que te levam para o mesmo lado
de tanto destino mal-aventurado!
8ª Cantiga de acordar mulher
Vozes da esquerda, surdas,
e vozes da direita, afinadíssimas,
hão de louvar-te a arte
de ser mulher:
mansa como uma ovelha,
jeitosa como uma gata de luxo,
dócil e generosa como uma árvore
a se multiplicar em sombra e frutos,
como uma estátua impassível,
hábil de acordo com as conveniências,
e acima disso
crente em ser esse o teu ideal de vida…
Acorda: pois foi essa
a sorte que escolheste?
9ª cantiga de acordar mulher
Um dia te acharás
sem inteirar a casa:
ouvirás o marido ressonando,
os filhos dormindo em calma…
O espelho te acenará,
te lembrará coisas da mocidade,
coisas da meninice,
te mostrará vindas algumas rugas;
contemplarás o espelho,
o quarto, a casa;
perguntarás por ti mesma,
pelo teu próprio destino
— e o espelho fará silêncio:
será o sinal de estares acordando.