Se você quer vingança, leia este livro e ficará bem

Wole Soyinka foi o primeiro escritor africano a receber o Nobel de Literatura, em 1986. Ele tinha 52 anos, idade que pode ser considerada fim de carreira para os acomodados, convencionais, exaustos habitantes do planeta injustiça. Não é o caso de Soyinka, seguramente um herói em luta cotidiana contra as tiranias, não apenas no próprio país e continente.

Por Christiane Brito

Wole Soyinka - Reprodução

Quando Soyinka completou 80 anos, com militância e obra literária a pleno vapor, ganhou um livro de ensaios em sua homenagem, no qual estudiosos — entre eles outros laureados pelo Nobel — analisaram seu papel na história e na literatura. Estava longe da aposentadoria, desaposentação ou o que for que todos pleiteiam nesta vida após uma folha corrida de serviços prestados à comunidade.

Nada contra aposentadoria, é um direito, mas aposentar-se da vida quando a vida continua e pode contar com nossa participação em favor de causas humanitárias, aí, sim, envelhecemos, nos retiramos do lugar ao sol ocupado nos anos verdes para uma sombra que pode espichar-se até nos apagar na memória dos vivos. Em 2015, Soyinka completou 82 anos e comemorou duplamente: com o lançamento de um novo livro e de uma fundação (The Wole Soyinka Foundation) para escritores e artistas.

A fundação é um residencial onde os associados podem “retirar-se” por dias, semanas, meses, e trabalhar em novas obras, inspirados pelo companheirismo de outros escritores e pela tranquilidade de não precisar pensar em pagar as contas daquele mês. Virginia Woolf sacramentou: o escritor tem que ter um teto todo seu. Não é obrigatório, pode-se escrever em um porão ou prisão, mas quantos, entre os que escrevem clandestinamente, têm a sorte de ser descobertos e publicados? Certamente pouquíssimos.

No Brasil, um caso desses me vem à memória: Carolina Maria de Jesus, negra, pobre e escritora incansável, foi descoberta pelo jornalista Audálio Dantas durante uma reportagem na favela em que ela morava. Em 1958, Dantas fez a ponte de Carolina com o mundo, dali pra frente ela seguiu sozinha em direção à merecida fama e ao lugar que lhe coube na nossa literatura. A Fundação de Soyinka é uma ponte desse tipo e um pouco mais, porque, como símbolo institucional, ostenta a bandeira da escrita que não existe sem liberdade.

O próprio Soyinka, implacável com sua pena, teve de fugir algumas vezes do seu país para escapar à prisão – chegou a cumprir pena de dois anos em uma cela solitária — e, nos anos 1990, passou a residir quase que exclusivamente nos Estados Unidos. Deixou o coração na África, não só a real, mas a simbólica da injustiça dos tiranos contra a população. O ensaísta e dramaturgo reconhece que "enlouqueceria" se não tivesse encontrado um lugar sereno para esconder-se enquanto fazia seu trabalho criativo.

O novo livro, InterInventions, é mais do que guerreiro: “Ele vai tirar sangue e curar desejo de vingança. Relata uma odisseia pessoal na república dos mentirosos”, descreve o próprio autor. Acrescenta: “É o livro mais nojento que já escrevi. É tão verdadeiro que dói… é a minha vingança contra mentiras públicas. Não é um dos livros de borboleta. Não, não é um livro de borboleta. Eu quero tirar sangue (com ele). Aviso todos, se você tem sede de vingança, leia este livro e ficará bem. É como a medicina homeopática, terapêutico”, disse Soyinka.

Em recente cerimônia pública de homenagem, na sua terra natal, o escritor lamentou que as mentiras públicas tenham se tornado uma indústria, multiplicadas e agravadas pelos meios de comunicação sociais, que incitam a predisposição para mentiras.

No sangue, o chamado para a luta!

Akinwande Oluwole "Wole" Babatunde Soyinka nasceu em 13 de julho de1934, na cidade de Abeokuta (Nigéria), na época uma possessão inglesa. Foi o segundo de seis filhos e cresceu sob a influência do sincretismo cultural e religioso, já que sua família era iorubá, mas seu pai, ministro anglicano, dirigia a escola St. Peters nos moldes da educação anglo-saxã.

A mãe, Grace Eniola, também anglicana, foi uma ativista política que lutou pelos direitos das mulheres na comunidade local, seguindo o exemplo do seu pai (avô de Wole), reverendo Canon J. J. Ransome-Kuti, da irmã, Olusegun Azariah Ransome-Kuti, e da sua cunhada, Funmilayo Ransome-Kuti.

Entre os familiares de Soyinka estão o músico Fela Kuti, o ativista de direitos humanos, Beko Ransome-Kuti, o político Olikoye Ransome-Kuti e a sua prima, também ativista do feminismo, Yemisi Ransome-Kuti.

Em 1940, depois de concluir os estudos primários na St. Peters, Wole passou a frequentar a Abeokuta Escola de Gramática, onde recebeu diversos prêmios por suas criações literárias. Em 1946, foi aceito em uma escola pública de elite de Ibadan, uma das três maiores cidades da Nigéria, juntamente com Lagos e Kano.

Após concluir o ensino fundamental, começou a fazer universidade em Ibadan, em uma afiliada da Universidade de Londres. Estudou literatura inglesa, grego e a história ocidental. Entre 1953-1954, no último ano, escreveu uma peça curta de teatro para rádio. Na mesma época, fundou a “Confraternidade dos Piratas”, uma organização estudantil que combatia corrupção e injustiça; foi a primeira desse gênero na Nigéria.

Mais tarde, em 1954, mudou-se para Londres e continuou os estudos de literatura inglesa. Conheceu muitos jovens, entre eles alguns escritores britânicos premiados. Enquanto se preparava para a defesa de tese de mestrado, trabalhou como editor em uma revista satírica, The Eagle.

Em Londres, trabalhou no Royal Court Theatre e foi lá que progrediu na escrita de peças para teatro e rádio, que foram produzidas em vários países, tornando o dramaturgo mundialmente reconhecido. Em 1967, durante a guerra civil na Nigéria, foi preso pelo General Yakubu Gowon e passou dois anos em cela uma solitária.

Ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1986 e casou-se três anos depois. Tem seis filhos e acaba de publicar a sexta obra literária. Esta história continua porque guerreiro não envelhece.

O mundo aplaude suas conquistas suadas:

“Sou eternamente grato por seu legado. Wole Soyinka tornou o mundo em um lugar inteligente.” (Toni Morrison, Prêmio Nobel de Literatura, e Robert F. Goheen, Professor da Universidade de Princeton)
“Ao devotar-se à luta contra a injustiça, Wole Soyinka foi muito além das palavras.” (Nadine Gordimer, Prêmio Nobel de Literatura)

“Como escritor e intelectual que denunciou a injustiça em diferentes partes do continente nos últimos 50 anos ou mais, Wole Soyinka se tornou a consciência democrática e moral da África”. (Ngugi wa Thiong’o, Diretor do International Centre for Writing and Translation, Universidade da California)