Daphne Liddle: Brexit, uma oportunidade para golpear o capitalismo

Dois almirantes da Armada francesa declararam na semana passada o seu apoio à campanha do Abandono (Leave) às vésperas do referendo britânico. Afirmam eles que o fato de o Reino Unido abandonar a União Europeia colocaria um freio imediato nos planos que em curso em Bruxelas para criar um "perigoso" exército da UE, constituído com os 28 membros do bloco .

Ilustração com as bandeiras do Reino Unido e União europeia fissuradas

Numa carta ao Telegraph, o vice-almirante Michel Debray e o contra-almirante Claude Gaucherand disseram que os vizinhos do Reino Unido continuariam a cooperar com o país "em termos próximos e amistosos" no caso de um Brexit devido ao poder militar e econômico britânico.

Eles afirmaram que os planos para o exército da UE são "mantidos secretos" em relação aos eleitores britânicos até que acabe o referendo do Brexit.

Alarmismo

Tem havido um bocado de alarmismo da direita de ambos os lados sobre este assunto. Assim, afirmações como esta precisam ser examinadas cuidadosamente.

A UE mudou consideravelmente de natureza desde quando era o Mercado Comum, um simples bloco comercial de seis países (França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo). Mas mesmo nessa altura o seu objetivo principal era beneficiar o capitalismo dentro daqueles países a expensas do comércio de outros países e da força de trabalho no interior dos mesmos.

Sua política energética exigiu o encerramento de toda a indústria de mineração de carvão no Reino Unido na década de 1980, dando ao governo Tory (Conservador) uma oportunidade para liquidar um dos seus inimigos mais antigos e mais bem sucedidos – a National Union of Mineworkers (NUM).

Desde então foi fácil para o governo Thatcher introduzir restrições gigantescas ao papel dos sindicatos. Estas violaram a legislação de direitos humanos mas os comissários não eleitos da UE ficaram muito felizes e observaram isto com inveja, esperando empurrar as suas próprias forças de trabalho do mesmo modo o quanto antes possível.

Estamos agora a ver os resultados quando trabalhadores franceses estão a ganhar as ruas para combater a nova Lei do Trabalho.

Uma pesquisa de opinião recente do Pew Research Centre, o qual inquiriu 10 mil pessoas por toda a Europa, descobriu que o sentimento anti-UE está a propagar-se rapidamente .

Apesar de ser um dos membros fundadores do clube, o povo francês está agora desesperado para abandoná-lo, com apenas 38% a apoiar o bloco. Em contraste, o apoio britânico situa-se nos 44%. O apoio ao bloco está nos seus níveis mais baixos na Grécia, com apenas 27% dos gregos questionados tendo uma opinião favorável à UE.

A UE tem projetado o seu peso nas arenas política e militar desde a queda da União Soviética – atuando invariavelmente como uma linha auxiliar do imperialismo dos Estados Unidos.

A UE desempenhou um papel decisivo na ruptura da antiga Iugoslávia, acirrando tensões étnicas que estavam dormentes sob o efeito unificador de um governo socialista.

Facções

Agora quase todos os antigos estados socialistas da Europa Oriental – incluindo aqueles que faziam parte da União Soviética – tornaram-se caldeirões borbulhantes de facções étnicas e religiosas a tentarem dilacerar-se uns aos outros e redefinir fronteiras.

Isto levou à ascensão de movimentos de extrema-direita e neonazistas nestes países – o mais gravemente afetado sendo a Ucrânia, onde nazistas descarados agora fazem parte do governo.

E foi em parte a cobiça dos líderes da UE pelo carvão do Donbass e pelas planícies ricas em trigo da Ucrânia que os levou a desempenhar um papel enorme nos esforços dos EUA para romper a espinha dorsal do Estado russo e reduzi-lo ao mesmo caos sangrento que agora domina o Afeganistão, o Iraque e a Líbia.

Os falcões do Pentágono sabem que os EUA estão em declínio, politicamente, economicamente e militarmente, quando os países Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) estão em ascensão. Eles sentem que têm de se movimentar o mais cedo possível porque o equilíbrio de poder está a mudar. E estão preparados para arriscar uma terceira guerra mundial.

Não há dúvida de que estes falcões do Pentágono encaram a UE como uma muleta muito necessária, especialmente quanto aos seus objetivos de atacar a Rússia. E o governo britânico é o seu mais forte aliado dentro da UE.

Retire-se o Reino Unido e a restante conexão da UE aos EUA tornar-se-á muito mais fraca. Já há manifestações maciças contra os exercícios da Otan que agora se verificam na Europa Oriental, sempre junto à fronteira russa.

A maior parte dos europeus não quer ser envolvida em outra guerra mundial. Agora em junho mais de 5 mil alemães cercaram a base estadunidense de Ramstein, Alemanha, para protestos contra a utilização de drones na guerra.

Se o Reino Unido abandonar a UE, ela poderia começar a desmoronar-se mas certamente seria uma ferramenta muito mais fraca para o imperialismo estadunidense.