Felipe Bianchi: A culpa é dos sinalizadores

Há uma evidente polarização na era das suntuosas e modernas arenas de futebol. Na mídia, é fácil detectar o antagonismo. De um lado, está o famigerado “torcedor de bem”, que assiste jogo no setor misto sem grandes inconvenientes, acena de forma efusiva para o telão e até aplaude a divulgação do público e renda. Do outro, um amplo grupo que abarca dos torcedores uniformizados aos extintos geraldinos, perfis que, ao que parece, não têm mais espaço no futebol brasileiro.

Por Felipe Bianchi*

Torcedores do Palmeiras acendem sinalizadores durante partida contra o Coritiba pelo Campeonato Brasileiro

A rixa entre torcedores ficou evidente no dia 15 de junho, em confronto entre Coritiba e Palmeiras, no Couto Pereira – partida válida pela oitava rodada do Campeonato Brasileiro. Os paulistas venciam o Coxa por 2 a 1 até os 42 do segundo tempo, quando parte da torcida palmeirense acendeu sinalizadores – a festa era grande, já que mais de 4 mil palestrinos fizeram-se presente na cancha adversária. Seguindo dúbia orientação oficial, o jogo foi interrompido. No retorno, com seis minutos de acréscimo, a equipe da casa arrancou empate faltando segundos para o apito final.

Pronto. Desatou-se a guerra entre torcedores do Palmeiras. Uma legião de internautas raivosos culparam, sem titubear, a queima de sinalizadores como grande responsável por deixar a vitória escapar no momento derradeiro. Ignoraram completamente, diga-se, a gigantesca contribuição do sistema defensivo palmeirense, que parou no lance, e até mesmo o equívoco do bandeirinha, que não assinalou impedimento do ataque coxa-branca.

O episódio também rendeu opiniões de cronistas esportivos como Mauro Beting e Mauro Cezar Pereira. Ambos questionaram a torcida acender os artefatos justamente na reta final do prélio. Mas, para além da controvérsia em torno do timing, destaca-se, principalmente no texto de Mauro Cezar Pereira, um elemento crucial: a importância de desafiar as arbitrárias e rançosas imposições das entidades e instituições que mandam no futebol e retiram, de forma implacável e sem nenhuma abertura ao diálogo, o direito do torcedor à festa nas arquibancadas.

Afinal, se o sinalizador é proibido, deve-se simplesmente obedecer? Se manifestar-se com faixas políticas não é permitido, deve-se resignar? Se somos criminalizados, boicotados e excluídos do estádio, devemos capitular?

São questões colocadas no incandescente debate sobre futebol, mídia e democracia. A cultura de arquibancada – que compreende festa com fogos, bandeiras, instrumentos, bebidas e, principalmente, povo – é um dos maiores patrimônios do nosso futebol, e está sob ataque. O pior é que o discurso criminalizante pega. A Mancha Verde, de repente, tornou-se a pior inimiga da campanha do time no Brasileirão, mesmo comandando o apoio desde as arquibancadas país afora. O mesmo serve para qualquer um que não aceitar, plácido, a sua própria extinção.

Viver de saudades ou de luta? É uma questão de perspectiva. Há um tempo que não voltará, é fato, e até aí cabe todo o pessimismo e nostalgia que podem existir. Mas o futuro está em aberto e quem decide políticas de precificação de ingressos e o que pode ou não pode se fazer num estádio de futebol somos nós, pessoas. Pessoas muito diferentes, claro, até porque se o futebol morre a cada dia, a culpa definitivamente não é dos sinalizadores.

*Jornalista do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e do Coletivo Futebol Mídia e Democracia