Penélope Toledo: O time da penitenciária

Em sua chegada ao Ceará, o meia Wescley foi recepcionado com uma faixa. Mas ao contrário do que geralmente acontece, não foi uma faixa de boas-vindas e sim de protesto pela sua presença no clube. O motivo é o fato de ter agredido a namorada, grávida de três meses. “Wescley não”, dizia a faixa, que explicava: “covardes não vestem o manto”.

Por Penélope Toledo*

Torcida do Ceará traduz seu protesto por meio de faixa contra o jogador Wescley

Covardes vestindo os mantos dos clubes e das seleções é o que mais tem, infelizmente. E em alguns casos, são venerados, como o ídolo argentino Diego Armando Maradona, que aparece em um vídeo agredindo a tapas a namorada, 30 anos mais nova, em 2014.

No Brasil, os meias Vampeta e Carlos Alberto, e os atacantes Adriano, Dudu e Jóbson são outros nomes da lista infindável de acusação de agressões de gênero no mundo do esporte. Lista esta na qual Marcelinho Paraíba aparece em duas categorias: a de agressor da esposa, em 2012, e a de estuprador de uma mulher durante uma festa, no ano anterior.

Estupros

Por falar em violência sexual, o estupro coletivo no Rio de Janeiro, que escandalizou o mundo, tem como um dos suspeitos o jogador do Boavista Lucas Perdomo Duarte Santos. Em 1987, Cuca também foi acusado de abusar sexualmente em conjunto com colegas, a vítima era uma suíça de 14 anos, que foi ao hotel pedir autógrafos.

E não é só no futebol que os atletas saem dos cadernos esportivos e invadem as páginas policiais. O caso mais famoso é o do boxeador Mike Tyson, condenado a seis anos de prisão (cumpriu três!) pelo estupro de uma menina de 18 anos, em 1992.

O jogador de futebol americano Brandon Vandenburg foi além: levou sua namorada desacordada para um quarto de hotel e encorajou colegas a estuprarem a garota, inclusive dando-lhes instruções e oferecendo-lhes preservativos, além de filmar a cena.

Cultura patriarcal

Oferecer a namorada a amigos, estuprar e agredir fazem parte da cultura patriarcal em que a mulher é entendida como propriedade do homem, de modo que ele possa fazer com ela o que bem entender, afinal, “é sua”.

Esta lógica machista despreza a vontade e os direitos femininos, como se a negativa da mulher não fosse uma possibilidade plausível. Assim, a recusa às investidas masculinas, o término de um relacionamento e a cobrança judicial de direitos, dentre outros, se refletem como “desobediência” e são descondiderados ou punidos.

Feminicídios

Não raro, a violência de gênero é fatal. Como foi com Elisa Samúdio, mãe do filho do goleiro Bruno, do Flamengo, cujo corpo está desaparecido até hoje. Como foi com Ana Cláudia Silva e Melo, assassinada aos 18 anos pelo ex-jogador Janken Ferraz Evangelista. Como foi com Leoneide Ferreira, que teve o corpo perfurado com 18 facadas pelo ex-marido, o árbitro de futebol Edilson Rodrigues dos Santos.

Como foi também com Nicole Brown, assassinada pelo ex-astro do futebol americano O. J. Simpson, nos EUA. Como foi também com Alicia Muñiz, atirada pela janela por seu companheiro, o boxeador Carlos Monzón, na Argentina. Como foi também com Reeva Steenkamp, alvo de tiros e pauladas desferidos pelo atleta paraolímpico Oscar Pistorius, na África do Sul.
Como acontece no mundo inteiro, o tempo todo.

Sobre a violência de gênero

A reação da torcida do Ceará de inaceitação da violência de gênero não é o que acontece necessariamente. Em regra, os atletas citados no artigo voltaram às suas equipes com plena receptividade, recebidos com festa e solidariedade, como se tivessem sido injustiçados com as denúncias.

É uma inversão dos valores, com a culpabilidade da vítima, que passa a ser acusada de ter provocado a situação, de querer aparecer às custas da fama do atleta, de denunciar não para obter justiça por uma violência sofrida, mas para ganhar dinheiro, de querer prejudicar o homem.

A violência de gênero, infelizmente, não é percebida em sua real gravidade. É socialmente tratada como se fosse algo menor, comum, afinal, “em briga de marido e mulher, ninguém bota a colher”, ou sua terrível variante: “Quem nunca?” (“Quem nunca saiu na mão com sua mulher?”, questionou o goleiro Bruno em defesa do amigo Adriano).

Por isso é louvável atitudes como a da torcida do Ceará. Que protestos assim se espalhem por toda as torcidas do Brasil e do mundo. Que as denúncias se multipliquem dentro e fora dos estádios. Que a seriedade da violência de gênero seja compreendida pelas pessoas e pelos legisladores. Que leis como a Maria da Penha sejam rigidamente aplicadas. E que os homens que cometem estes crimes reforcem o time da penitenciária, em vez de ficarem impunes.