Luiz Fernando Leal Padulla: 30 anos depois

No dia seguinte ao recorde de gols alcançado por Messi na seleção Argentina (maior artilheiro com 55 gols), ao marcar contra a seleção dos EUA na semifinal da Copa América, meu aluno José Renato posta um vídeo no Facebook para lembrar deste feito.

*Por Luiz Fernando Leal Padulla

Argentina x Inglaterra, copa do Mundo de 1986. Momento do gol “la mano de dios” - bbc.com.uk

Comentei dizendo que “Messi só perde para D10s Maradona”. E o diálogo de todo boleiro fluiu com brincadeiras e provocações: “Só perde para o Rei Pelé!!”… “Quem é pelé? Rsss”… “Oloco Padulla, o que ganhou 3 copas com a nossa nação kkkkkk”… “To desconfiando da sua nacionalidade kkkkkkkk”…

Curiosamente, a data de hoje – 22 de junho – é comemorativa do antológico jogo das quartas-de-final da Copa do Mundo de 1986, no México. Seria apenas um jogo, não fosse a rivalidade em questão: Argentina x Inglaterra.

Quatro anos antes, em pouco mais de dois meses, esses dois países se enfrentaram na chamada “Guerra das Malvinas”, disputando o domínio do arquipélago. No final, os ingleses venceram, deixando o gosto amargo da derrota juntamente com 649 soldados argentinos mortos. Tal devassa feriu o orgulho argentino, mas sem jamais derrotá-los.

(O lado positivo foi que essa derrota também tombou o governo militar, possibilitando a substituição por um governo civil).

Eis que surge a chance de uma revanche. Mas desta vez, no campo de futebol. No ano que a seleção argentina foi bicampeã do mundo, o jogo mais importante talvez não tenha sido a final, mas o das quartas-de-final.

Neste jogo, duas cenas clássicas e marcantes para os amantes do futebol: o gol antológico e magistral de Diego Armando Maradona (aqui em uma narração emocionante seguida de um livro-montagem: https://vimeo.com/109873140), em que dribla metade da seleção inglesa, limpa o goleiro da jogada e faz o segundo gol do jogo.

“Mas e o primeiro gol?”, deve estar se perguntando. Calma. Não me esqueci. Deixei-o por último porque é o mais importante. O famoso “gol de mão” de Maradona. Ou, como ficou conhecido pelo próprio jogador, “La Mano de Dios”!

Mas há um detalhe aí que muitos não conhecem. Apesar de sua fama de prepotente e arrogante, Maradona não se intitulou deus. Sua referência ao gol remete a uma justiça divina, onde ele, argentino e patriota de coração, pode vingar-se da derrota nas Malvinas. A mão foi uma providência divina, executada por Maradona!

Pelo menos temporariamente, a honra argentina havia sido resgatada. A dor havia sido esquecida, e orgulho da vitória sobrepôs a derrota passada. Aquilo não foi um jogo. Aquilo foi a memória do povo argentino, revivida no campo por Maradona.


Diego Maradona, Fidel Castro e Hugo Chávez. Crédito: ocafezinho

Admiro-o não apenas por seu patriotismo e amor ao país, mas por ser uma personalidade politizada, que se posiciona e tem opinião formada. Não se omite, nem foge das perguntas. Maradona sempre defendeu os mais necessitados e injustiçados onde quer que estivesse. Nunca negou sua infância pobre. Enfrentou o regime estadunidense ao declarar apoio a Fidel Castro, Hugo Chávez, Evo Morales e mais recentemente à Lula e Dilma Rousseff.

Maradona nunca se contentou em apenas jogar futebol. Ele transcendia aos gramados toda a mística que envolvia a camisa, a torcida e suas convicções. Falava as verdades, peitava autoridades e opressores em defesa do povo. Maradona sempre foi um socialista!


Em sua conta do Facebook, Maradona declara apoio à Lula e Dilma, declarando-se “um soldado de Lula e Dilma”.

Demonstrou isso em sua passagem vitoriosa pelo Napoli, na Itália, time representante do sul da bota, região explorada e marginalizada pelo norte. População sofrida, que teve a oportunidade de ser ouvida e notada quando o inédito título italiano foi conseguido com ajuda de Diego. No Boca Juniors, na Argentina, não foi diferente.

Trinta anos depois, lembremos desta vitória inesquecível. Não foi a vitória do título, mas teve um sabor muito maior. Por essa e por tantas outras atitudes, por mais que Diego nunca tenha se autoproclamado deus, eu afirmo que é sim um deus do futebol, nosso eterno D10s!

Em tempo: para quem se interessar, há um documentário fantástico sobre a vida de Maradona, do cineasta Emir Kusturica, de 2008. Vale a pena!