Amorim rebate Serra: Na política externa não se pode ser mesquinho

Em evento realizado em São Paulo nesta segunda-feira (4), o ministro das Relações Exteriores do governo Lula e ministro da Defesa de Dilma Rousseff, o diplomata Celso Amorim, manifestou preocupação com a crise política brasileira e com os "rumos que o Brasil está tomando" sob o governo interino de Michel Temer.

Celson amorim na casa de portugal - Ricardo Stuckert Filho

"O impeachment de Collor uniu o país, e o impeachment da presidenta Dilma está dividindo", disse ele, durante palestra proferida em evento na Casa de Portugal promovida pelo Instituto Lula, Fundação Perseu Abramo, Frente Brasil Popular, Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso), Fundação Friedrich Ebert (FES) e o Grupo de Reflexão do sobre Relações Internacionais.

Amorim criticou as medidas que vêm sendo adotadas pelo ministro interino das Relações Exteriores, o senador José Serra (PSDB-SP). "Não podemos olhar para a política externa com uma atitude mesquinha. Tem gente ganhando com a ideia de o país se enxergar como vira-lata", disse.

Amorim também rebateu as declarações do tucano sobre a política externa adotada pelo Itamaraty desde o governo Lula. Ele lembrou que o Brasil assumiu protagonismo mundial ao adotar posições de independência no cenário internacional. "O país tinha que reagir à agenda internacional de maneira altiva, mas também ser um construtor (de políticas) e contribuir com a agenda internacional".

O ex-ministro citou o fortalecimento do Mercosul e da Unasul, a aproximação com a África e a atuação brasileira na criação dos Brics como fatores que mostram os esforços do país nos últimos 13 anos de desenvolver relações diversificadas. Esses foram os principais pontos criticados e modificados na política externa do governo provisório de Temer.

Amorim também falou sobre a proposta de Serra de fechar embaixadas na África. "Dizem que o Brasil tem mais embaixadas na África do que a Alemanha. Mas a Alemanha não tem uma população de afrodescendentes como o Brasil. Não temos que fechar, temos que abrir embaixadas na África", defendeu. "A aproximação com a África é o resgate de uma dívida que temos com os povos africanos."

Para Amorim, "é uma brincadeira" dizer que o Brasil está se isolando do mundo. "Como você pode isolar os Brics? Não se pode isolar os Brics", disse.

Ele também enfatizou que nos últimos anos o Brasil promoveu o diálogo diante das crise internacionais e mencionou o acordo costurado pelo Itamaraty em 2010, quando era ministro de Lula, reunindo Irã e Turquia, e a posição do governo Dilma, em 2014, sobre os ataques militares no Oriente Médio para supostamente combater o Estado Islâmico – a presidenta condenou os bombardeios aéreos da coalizão liderada pelos Estados Unidos na Síria e manifestou essa posição em discurso na 69ª plenária da Assembleia Geral das Nações Unidas.

"O Estado Islâmico é em grande medida decorrência da destruição das estruturas de Estado no Oriente Médio. O EI surgiu num vácuo. Nada justifica o terrorismo e tem que ser combatido, mas não pode esquecer que existem grupos muçulmanos discriminados, e há ainda a questão palestina", lembrou Amorim.

O diplomata afirmou que a atual conjuntura mundial é motivo de inquietação. "Essa onda de uma direita populista crescendo na Europa é muito perigosa."

Síndorme de vira-latas

Em nome do Grupo de Reflexão em Relações Internacionais e da Fundação Maurício Grabois, o pesquisador e mestre em relações internacionais Rubens Diniz avaliou que no período em que Lula e Dilma Rousseff governaram o país a política externa brasileira ganhou uma nova dimensão, ampliou-se o interesse pelo tema, na imprensa, na academia e na própria sociedade de um modo em geral.

Para Diniz, “não há como pensar um projeto nacional de desenvolvimento sem a existência de uma política externa autônoma. A inserção internacional do país está profundamente relacionada com o modelo de desenvolvimento que o país adota e é nisto que se apoiou a política externa ativa e altiva”.

Rubens Diniz considera que “José Serra mais parece o secretário de relações internacionais do PSDB, do que um chanceler, de tão ideologizada, de tão partidarizadas as linhas de sua ação internacional”. Para ele “a melhor síntese que expressa a política externa dos golpistas foi dada pelo novo embaixador do Brasil em Washington, Sérgio Amaral ao afirmar que, "o Brasil necessita de uma política externa modesta" no sentido de não se envolver nos grandes temas, reconhecer sua pouca significância internacional. Diniz considera que se trata “novamente do “complexo de vira-latas”, uma síndrome que afetou o PSDB nos tempos de Fernando Henrique Cardoso e que reapareceu no governo interino de Michel Temer”.